terça-feira, 1 de julho de 2008

QUANDO O VOYEURISMO TOMA CONTA DA SUA VIDA

Cláudio, trinta e poucos anos, solteiro, bem sucedido em sua carreira, com uma vida cheia de atividades, cheio de ambição e orgulho é mandado embora após uma discussão com um de seus chefes. Na noite seguinte, sai na balada, fica bêbado e tem um horrível acidente de carro, deixando-o paralítico.
Seus sonhos evaporaram, sua vida ruiu. Era incapaz de encontrar algum estímulo, alguma paixão, alguma fagulha que desse um start pra uma nova vida.
Morava sozinho em seu apartamento numa zona nobre da cidade. No início alguns familiares e colegas o procuravam, mas ele preferia não atender ninguém. Agora só seu sobrinho adolescente que o visitava todo fim de tarde para trazer mantimentos, baseados e novos vídeo-games.
Nos primeiros meses passava o tempo catatônico em sua cama, depois 24horas no computador jogando paciência, assistindo TV, games, até que descobriu as janelas de um pequeno prédio localizado no outro lado da rua e a grande utilidade de seu antigo binóculo.

Janela 2º.andar direito (19h30) – 2 crianças brincando e a mãe preparando a mesa do jantar. A mulher, dos seus 40 anos, parecia morar sozinha com as crianças. Poderia até ser uma mulher interessante, mas estava desleixada, acima do peso e cara de infeliz. Ele imaginou que o marido devia tê-la trocado por uma garota bem mais nova há pouco tempo.
Janela 3º.andar direito – Velho assistindo TV com dois labradores a seus pés. Provavelmente um viúvo aposentado.
Janela 3º.andar esquerdo – Um homem de terno, trinta e poucos anos, chega em casa falando ao celular. Tira o paletó, liga o som e pega uma cerveja na geladeira. Num repente, Cláudio parecia estar vendo a si próprio. Parecia o seu ap, só que mais limpo e com mais artigos de decoração. O homem sai da sala e acende a luz do quarto. Chega uma mulher no apartamento carregando sacolas de fast-food. Ela deixa as sacolas na sala e vai para o quarto. O homem sai do banheiro e a agarra por trás. Eles começam a se despir rapidamente.
Cláudio a princípio se assusta e se afasta da janela. Mas pouco a pouco, com a luz apagada, volta à janela e assiste a uma bela noite de amor. Seus olhos marejaram ao se dar conta que ele nunca terá uma mulher que o ame e a quem ame à seu lado, e que quando ele brevemente teve mulheres que pareciam amá-lo, nunca valorizou. O rosto das várias amigas coloridas e namoradinhas de adolescência vieram uma a um à sua cabeça.

No dia seguinte, a primeira coisa que fez foi encomendar uma luneta. E lá ia ele de hora em hora para a janela, bisbilhotar a vida de seus vizinhos.
Janela 2º.andar esquerdo (21h) – Um jovem de seus vinte e poucos anos dá uma festa no apartamento. Música alta e uma fauna impressionante. Travestis, homens e mulheres dançavam e se misturavam.
Cláudio os observava com deboche. Lembrou-se de uma vez quando adolescente, um de seus melhores amigos tentou lhe dar um beijo. Um misto de surpresa e ojeriza o tomou. Nunca mais teve coragem de olhar para o garoto.
Janela 3º.andar esquerdo (22h) – O casal chega em casa, troca de roupa e desce até a festa do 2º.andar esquerdo. Cláudio se surpreende ao ver que a mulher é amiga de todas aquelas bichas e o marido a acompanha tranquilamente.

A luneta finalmente chega, Cláudio não vê a hora da chegada do casal em casa pra poder observá-los em detalhes. Seu maior prazer era se imaginar na pele do feliz marido.
Janela 3o.andar esquerdo(18h) - A mulher chega. Cláudio foca a luneta em seu rosto. Estremece ao perceber que conhecia aquele rosto, mas bem mais jovem. Era Roberta, sua colega de escola por quem teve uma paixonite aos 14 anos. Naquela época ele acreditava no amor.
Ela vai direto pro quarto, sem se importar em fechar a cortina, prende o cabelo, se despe e desfila pelo apartamento apenas de calcinha antes do banho. Cláudio pôde notar que a idade só a tornou mais bonita, sensual e doce.
Um lampejo de inveja o tomou, imaginando que se ele tivesse mantido o contato, talvez fosse ele que estaria ali com ela, recebendo seus carinhos, fazendo amor e convivendo com aquela linda mulher.

Os dias passam e Cláudio continua vivendo de suas lembranças do passado e da vida dos outros. Numa manhã de sexta vê Roberta se despedindo amorosamente do marido e saindo com uma mala. Vai trabalhar no fim de semana, pensa.
Naquela noite (22h30):
Janela 2º.andar direito – A “mãe solteira” finalmente recebe a visita de um homem pra jantar. Ela caprichou na ementa, deve ser um possível pretendente.
Janela 2º.andar esquerdo – O rapaz homossexual se arruma pra balada.
Janela 3º.andar direito – O velho continua assistindo TV.
Janela 3º.andar esquerdo – O marido de Roberta parece ansioso, fecha as cortinas e sai de casa.
(4h30 da madrugada)
Janela 2º.andar esquerdo – O rapaz chega acompanhado do marido de Roberta, em beijos avassaladores. Os dois transam ali mesmo na sala, com as luzes acesas e a cortina aberta. Cláudio não acredita no que vê: “Por que pelo menos essa bicha não me poupa fechando a cortina, que merda?!?!”
Cláudio só consegue pensar em Roberta e fica louco de raiva em pensar que aquele cafajeste tem na mão a mulher mais maravilhosa do mundo e não a valoriza, e o pior ainda a trai com outro homem!
Na manhã seguinte, resolve fazer uma série de ligações, procura colegas de infância, ouve diversos comentários que não gostaria de ter ouvido a seu respeito e finalmente consegue o telefone da mãe de Roberta. Pelo menos ela se lembrava com carinho dele... Ela disse que Roberta trabalhava como agente de artistas e que estava casada a 5 anos com um publicitário que a tratava muito bem e que eles se amavam muito. Deu o telefone do apartamento deles e disse que ela ia gostar de falar com ele.
Imediatamente Cláudio liga pro marido de Roberta e o xinga, desligando logo a seguir.
(Domingo 19h)
Janela 3º.andar esquerdo – Roberta chega e é recebida pelo marido com flores e vinho.
Eles transam e ele vai pro banho. Nessa hora Cláudio resolve ligar e dedurar o marido pra Roberta. Ela atende. Cláudio fica mudo.

by Mazé Portugal

8 comentários:

Josiany disse...

Muito legal!

Anônimo disse...

Puxa, Mazé que legal essa estória... Lembrou-me final de filme europeu, romeno talvez, daqueles que acaba e você fica olhando para o lado, se mexendo na cadeida e pensando " Peraí será que o cara esqueceu o final final de verdade...." Ai, se o cara não for um idiota (o mundo está cheio deles) ele pensa: " Puxa que presente. Ele me deu a chance de pensar o final que eu quiser...."

Para finalizar 3 perguntas finais que não querem calar (2 seríssimas e 1 brincadeira):

1) O cláudio conta ou não conta?
2) Quem matou odete roitmann?
3) Quer casar comigo?

T.Bear

Anônimo disse...

Josy (a gatinha): q bom q vc curtiu, ainda mais q agora está toda antenada em roteiros, né?
T.Bear: Valeu.
1)o presente é seu. Vc decide.
2)se não me engano, a personagem da Cássia Kiss.
3)rarara...boa piada.

Mazé

Desaforadas disse...

adorei, como boa voyeur, entrei na estoria rs

Anônimo disse...

Hitchcock revisitado e homenageado, hein, Mazé.
Beijo, talentosa.

Charlie

André Auke disse...

Menina, essa historia daria um curta bem interessante, vc não acha


Bjs.

Anônimo disse...

Muito bom.
É daquelas coisas: se contar fica em paz com a sua consciência ?
E se não contar, fica em paz com a sua consciência ?! rs

beijo
BrancaAurora

Anônimo disse...

Valeu desaforada anônima e Charlie.

Então André, tira-se umas coisinhas, trabalha-se outras e vai-se atrás de uma verbinha...Vamos fazer?rs

Pois é, Branca. Qual seria a melhor coisa a fazer?rs bjoca e obrigada pela visita.

Mazé