terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Olha o trem

A expressão “perdendo a linha”, na gíria, significa dar escândalos. Mas, na realidade, ela tem um significado mais amplo.



A primeira vez em que me lembro de ter perdido a linha foi em 1979, quando eu tinha cinco anos de idade. Eu estudava numa creche que ficava no centro da cidade de Curitiba. Portanto, todos os dias minha mãe ia me buscar para tomarmos o ônibus do bairro. Naquele coletivo, tinha meu lugar predileto: a poltrona da frente, ao lado do motorista. Eu gostava daquele lugar porque amava imitar o motorista dirigindo. Por isso, todos os dias eu entrava no ônibus e sentava sempre naquele mesmo banco. Inclusive no meu lugar predileto havia uma plaqueta que, naquela época, eu lia com dificuldade:
“Lugar preferencial para deficientes, idosos e mulheres com crianças de colo.
Quando li isso, pensei :
- O cartaz diz que o lugar é para deficientes também! Como eu uso botas ortopédicas, acho que posso sentar aqui.
Numa certa tarde, embarquei no coletivo, mas fiquei irada ao ver que um executivo engravatado e de nariz empinado tinha tomado o meu lugar preferido. Então, larguei dos braços da minha mãe e gritei:
- Saia do meu lugar! Você está sentado no meu lugar! A placa diz que o banco é para idosos, grávidas e deficientes, e você não é nada disso!



Assim, o homem respondeu:
- Cala a boca, pirralha!



Depois de escutar estas palavras eu comecei a chutar o engravatado com minhas botas ortopédicas. Ele saiu do lugar e exclamou:
- Estas mães que não dão educação!
Ao chegar em casa, minha mãe contou a situação para o meu pai e eu levei uma bronca. Com o tempo, fiquei mais educada e descobri que só deveria perder a linha se realmente tivesse razão. Não foi por acaso que só fui perder a linha outra vez aos meus nove anos de idade. A situação foi esta: todo mundo estava bagunçando na classe, especialmente um menino chamado Maicon que não parava de imitar animais. De repente, a professora exclamou:
- Se o Maicon não ficar quieto, irei puxar a orelha de todo mundo!



Após escutar estas palavras, o bagunceiro começou a imitar um leão na sala de aula. A mestra foi puxando a orelha de cada um. Porém, quando chegou a vez de puxar a minha orelha, eu mordi a mão da professora e fui direto para a coordenação .
Desta vez eu tive a consciência de que perdi a linha, mas com razão.
Saindo da infância e indo para a idade adulta, contarei agora meus últimos barracos que cometi para defender os meus direitos.
No ano passado, vi um comercial na televisão anunciando um curso gratuito com mais de cem vagas. Fui até o local, fiquei três horas na fila e, quando cheguei na mesa da secretária, ela disse que as vagas tinham acabado. Então comentei:
- Como é possível?! Apareceu um comercial na TV anunciando cem vagas neste curso.
A mulher nem olhou a minha cara e disse:
- Não sei de comercial nenhum ... Lamento.
Perdi a linha e dei um escândalo:
- Isso é propaganda enganosa! Ligarei direto para os programas policiais de TV e denunciarei isso!
Peguei meu celular da bolsa e comecei a discar. Ao escutar estas palavras e ver minha atitude , a moça tremeu e disse:
- Por favor, mantenha a calma que colocarei seu nome na lista.
Deste jeito fiz o curso que foi tão anunciado.
Há seis meses entrei numa loja chamada Ponto Frio, vestida de uma maneira simples. Nenhum funcionário me deu atenção. Mesmo assim, chamei um vendedor e perguntei:
- Qual é o preço daquela câmera digital?



O rapaz nem olhou para a minha cara e foi para outro setor.
Percebi e gritei:
- Moço, eu perguntei: qual é o preço desta câmera digital?!!!!!!
Ele aproximou-se e perguntou:
- Tem certeza de que você tem dinheiro para pagar por este produto?!
Assim perdi a linha e exclamei:
- O nome desta loja é Ponto Frio, né?! Faz jus ao nome! Com este ponto frio ela nunca chegará ao ponto G do cliente. Afinal, com este péssimo atendimento é capaz de vocês congelarem os fregueses na loja.
Falei isto, dei as costas e fui embora.
Aqui, concluímos que só devemos perder a linha quando temos razão. Pois quando perdemos a linha com consciência é que recuperamos o vagão do trem perdido da justiça.



Luciana do Rocio Mallon

Um comentário:

Anônimo disse...

hahahahaha Eu sempre achei esse nome contraditório mesmo. Fez bem, Luciana. Agora já tenho na ponta da língua escrachos pra quando tiver problemas com as Casas Bahia. Mas vou pensar em umas boas pra falar nas Lojas Colombo e em outras, mal posso esperar para ser mal atendido. hehehe
Beijo.

Mario