quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma Vez Alice, Sempre Alice.


Mais um daqueles finais de expediente sem graça. Depois de um dia exaustivo de trabalho, só o que Alice precisava era de um bom banho. E depois um jantarzinho, uma sopa talvez, fácil de preparar. Seus dias eram monótonos, travava uma luta pessoal contra as contas, não tinha mais tempo pra se cuidar e namorar já nem lembrava mais como era. Uma rotina, no mínimo, tétrica de uma pessoa acomodada com sua condição de ser vivente, se é que se pode dizer que vive uma pessoa assim. Particularmente eu indicaria sessões de terapia e sexo casual, mas não sou psicóloga, então que cada um faça o que bem entender com sua vida.
Mas, aquela tarde tornou-se diferente e mudaria a vida da doce e aguada Alice. No caminho para casa, tropeçou em uma pedra e caiu estatelada no calçadão. Já se achava uma perdedora e agora tinha certeza. De quatro, sem saber se olhava pra cima ou ficava chorando de vergonha ali mesmo, deu de cara com um bilhete de loteria. Quem pensaria em pegar um bilhete amassado no chão depois de uma cena dessa? Fala sério, nem eu. Mas a garota era tão descrente de tudo, que juntou a porcaria do papel, como se quisesse se desculpar consigo mesma por ter caído, do tipo, eu queria mesmo esse papel!
Levantou-se, ainda com o joelho meio doendo e continuou sua caminhada para casa, não sem antes passar pela padaria pra pegar os mesmos cinco pãezinhos frescos de todos os dias. Na fila do caixa, ficou prestando atenção no noticiário. No anúncio, os números da loteria que premiavam um ganhador. Um único ser tinha levado a bolada e Alice riu para si mesma, pensando: sortudo! Lembrou do bilhete que encontrara no chão e, só por curiosidade, conferiu: 07-19-35-38-44-52-59. Quase caiu no chão de novo. Como assim? Os mesmos números da TV? Ficou vermelha, começou a suar, mas não queria passar por mais uma vergonha. Vai que ela tinha lido errado, ainda iam rir muito dela. Amassou o bilhete, pagou sua conta e correu para casa, sempre olhando pro chão, cheia de livros nas mãos e sonhos em sua mente.
Subiu correndo pelas escadas, bateu a porta do apartamento e foi jogando tudo pelo caminho. Pegou novamente o bilhete em suas mãos e ligou a televisão na esperança de ter os números ditados novamente. Nada. Lembrou do notebook em cima da mesa, ligadinho esperando. Entrou no site e pimba! Não deu outra... eram mesmo seus números. Acabou a solidão, a vida chata, a falta de dinheiro, ficar na vontade nunca mais. Gritava e pulava como louca, sem ter com quem mais dividir aquilo, mas agora não importava. Poderia comprar amigos se quisesse. Rasgou todos aqueles trapos que chamava de roupas, agora poderia comprar o que quisesse nas boutiques mais caras e ai de quem não a tratasse bem. Jogou todas as flores no lixo. Pra que flores? Antes elas serviam de companhia, agora não passavam de um estorvo. Foi se desfazendo de tudo o que lembrava a sua triste e pobre vida, afinal sempre se achou uma vítima do destino, uma pessoa perseguida pelo azar, tudo dava errado e a culpa... do destino. Sonhava mais e agora poderia fazer tudo.
Passou a noite tomando a única garrafa de vinho que tinha guardado pra uma ocasião especial, jurou ao mundo uma vingança pelos anos de sofrimento, jogou a taça longe e foi dormir. Infartou fulminantemente na mesma noite e morreu dormindo.
É Alice... ainda não foi desta vez.




Angelica Carvalho

2 comentários:

Anônimo disse...

Me lembrei da Macabéia, da Clarice Lispector.
COitada da ALice


Beijos,
Leticia

Anônimo disse...

Lei de Jigsaw... não dá valor pra vida, deixa espaço pra quem dá... ;-)