sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Alpinismo Interno


Um típico vagabundo urbano, mas que ainda guardava alguns resquícios de seu passado nobre. Se fossem só os cabelos acinzentados sempre oleosos, ou a mesma calça jeans surrada de todo dia, não passaria de mais um mendigo, mas algo em seu rosto mostrava uma altivez atípica de pessoas do gênero. Não era apenas o trejeito, a fronte sempre erguida, e o olhar incisivo, pois senão ele não passaria de um metido, quase um louco, tendo em vista a sua situação. Era o nariz, ou talvez a boca, ou o conjunto disso tudo. Seus traços eram terrivelmente elegantes, a tal ponto que qualquer um que reparasse sentia-se inquieto no mesmo instante e imaginava se ele era um mendigo fantasiado de rico, ou um rico fantasiado de mendigo. Mera dúvida que em nada o incomodava. Aliás, se já antes não pensava na sua aparência, não o faria agora.

Desde o momento em que deixara sua antiga vida, dispõe-se a esquecer toda e qualquer mania que antes tinha, principalmente a de se preocupar com coisas desnecessárias. Deixou tudo para trás, justamente para alcançar o mais alto grau de iluminação possível, e agora sua vida se resumia a: nada.

E foi esse nada tão mal visto pelos leigos que lhe preencheu o vazio deixado pelo dinheiro. Ele percebeu que, se quisesse pelo menos levar uma vida perto de ser feliz, o poder com certeza não o ajudaria em nada. Não os poderes monetários e políticos, os quais não só já tinha, como já não fazia mais questão de ter, mas o supremo.

O verdadeiro e único poder que pouquíssimos alcançam, e que, quando atingido, garante uma vida plena e feliz, pacata e ao mesmo tempo densa.

Ele queria o poder sobre si mesmo, e sabia que só o conseguiria, se afastado das pessoas que o influenciavam negativamente. Porém, queria manter-se junto ao povo, ao mesmo tempo em que estivesse alheio a ele, e assim, resolveu se transformar em mendigo.

Enquanto outros trancafiavam-se em academias e escritórios, exercendo o dom de correr em círculos e atingir recordes em número de frustrações, ele, aos olhos alheios, perdia seu tempo fazendo nada.

Lutava pelo seu objetivo com veemência, dia após dia. Já não sofria com a miséria, não sentia fome ou sono. Passava horas acordado, mantendo a mesma posição.

E foi assim, estático, inerte, louco, que ele finalmente descobriu a beleza de não só ter o que se quer, mas ter a certeza de que quer o que alcançou e, sereno, sentado na calçada, ele não via mais o mundo dos outros, mas o seu mundo. Seus olhos divinos brilharam ao encontrar a verdade, mas, infelizmente, de tão ocupados com academias e escritórios, recordes e círculos, ninguém notou.


Letícia Mueller

Um comentário:

Anônimo disse...

Do jeito do personagem ou de outro, acho que todos teremos de fazer esta escalada.
Beijo, Fofulety.

Mario