domingo, 6 de setembro de 2009

Sexo & Independência



“Me mandei pra Curitiba, como eu gosto dessa vida eu sei”.

Queria saber se as motivações para o Oswaldo Montenegro vir a Curitiba eram as mesmas dela. Mas não era isso que importava naquele momento, na verdade pouca coisa importava agora. Só caiu nessa indagação insolúvel porque estava ouvindo a música naquele taxi com cheiro de essência de uva. Ela não gostava de pegar taxi, tinha medo que aquele motorista de modos grosseiros a sequestrasse, sentia-se perdendo o controle da situação. Mas era a melhor maneira de sair beber o quanto quisesse e ir para onde a vontade ditasse (ou enquanto o dinheiro deixasse (ou enquanto o raciocínio não sucumbisse (ou enquanto não achasse o caminho de casa (ou enquanto não achasse uma casa)))).

O fato é que aquela música era a trilha sonora perfeita para a ocasião: ela não morava em Curitiba mas estava ligada à cidade, próxima demais até. Apesar de poder a qualquer tempo chegar na capital paranaense com brevidade, queria mesmo era morar nela. E à noite o vínculo com aquela metrópole provinciana ficara mais forte e vívido, como se as luzes dos prédios se tornassem tochas abrindo caminho para sua passagem. Como se os letreiros e neons fossem convites formais e personalizados para sua fuga. A capital a imantara com as seduções do imponderável.

Sua vida havia dado tilt. Um curto circuito em meio à rotina e às obrigações que não sabe quem lhe impingiu. Estava cansada de se conformar, de se anular, de discutir a relação a sós, de monologar a dois. A dobradinha "amor e sexo" agora era para ela apenas nome de programa de TV. E sua lista de demandas só crescia: as tarefas do lar e de fora dele, a indiferença de um parceiro relapso, o vácuo de um affair que só se consumava na imaginação, a dúvida de poder corresponder a um modelo de companheira, de mulher, de profissional, de mãe, de tudo. O planejado e o frustrado agora viviam em regime de concubinato. Aumentar os seios, diminuir o grau de exigência, afinar a voz, ler mais, falar menos, economizar pr’aquela viagem, ir no oftalmo, trocar de gineco, criar uma conta no twitter, abrir o Orkut, entrar na academia, praticar yoga, botar mais giga de memória, incrementar o sex appeal, entender o marketing viral, bancar a multifunção, ser, ter, fazer, ostentar, vestir, despir e lavar a roupa suja em casa de ferreiro. E a calcinha debaixo do chuveiro. Tudo sem chorar, porque isso é coisa de mulherzinha. O muito pouco que usara do blog como catarse eletrônica havia de fato sido insuficiente para ordenar o raciocínio, precisaria de muitos terabytes para alinhar seus pensamentos. Todos os verbos e adjetivos se rebelavam em motim, já não conseguia conjugar o ser sem comprometer o estar. Suas personagens se recusavam a parar quietas na ribalta. Amiga, colega, confidente, parente, cliente, psicóloga, filha. Todas em silenciosa exigência. Nem precisavam pedir nada, bastavam existir. Não que tivessem culpa, pelo contrário, mas também tinham sua parcela de peso na prateleira de responsabilidades (mesmo que a maior fosse com ela própria). Estavam todas ali. Dentro daquele taxi cheirando a essência de uva. E cobrando bandeira dois.

A noite agora era a sina. Ela estava no centro de Curitiba, sozinha, e logo seria madrugada. Resignou-se, estava sozinha há muito tempo. Nem lembrava da última vez em que usou o “nós” ao invés do “eu”. Não fugia dele, e sim dela própria. De sua face tolerante que dava a outra para bater. E a outra era a face da verdade. Beberia não para esquecer, mas para se esquecer. E sentia-se corajosa por fugir. Era mulher-macho porque deu no pé. Porque deu na telha. Sua inconsequência agora era bálsamo, um maná caído do céu noturno. Olhou para o relógio e percebeu que em duas horas seria Dia da Independência. Riu da ironia cronológica fazendo o taxista fitá-la sisudo pelo espelho retrovisor. Comportou-se procurando pela janela do carro algo para se distrair. E o que viu a tirou do prumo ainda mais: um cartaz de preservativo lembrando que aquele domingo era o Dia do Sexo. Segurou o riso de si mesma. Teve então uma ideia, ou melhor, uma certeza: não viraria o Dia do Sexo sem sexo.

22h04m21s

Chegaram. Na penumbra do taxi, achou uma nota de 50 na bolsa e ouviu os resmungos do repulsivo motorista de pouco troco. Saiu do veículo e cheirou-se temendo ter ficado com aroma de uva. Não, continuava cheirando a seu perfume favorito, apesar de perceber ter sido um pouco impregnada com aquela fragrância que mais lembrava chiclete. Mas o problema real era como conseguir sexo em apenas duas horas. Logo ela, mulher comprometida, moça de família, dona de um lar, de um nome a zelar, de uma conduta ilibada no currículo da vida, de inegável instinto maternal. Não sabia como. Só sabia que aquele seria seu grito da independência.

22h10m37s

Entrou no Wonka pegando a comanda e dizendo seu nome em voz baixa para o porteiro anotar, como que temendo ser ouvida por algum conhecido que a flagrasse ali sozinha. Estava lá por uma escolha aleatória, encontrou a casa num guia da Veja que surrupiou da sala de espera do dentista, tendo decidido seu destino por um critério absolutamente randômico: fechou os olhos, abriu a revista numa página qualquer e apontou às cegas. Deu Wonka. Subiu a escada até o bar indagando-se do motivo de aquele ter sido decretado o Dia do Sexo. Talvez por ser o dia 6 do mês 9, pensou. Aquilo a deixou ainda mais irritada: sentia-se uma teórica sexual, estava no feijão-com-arroz, no papai-mamãe, no parou-por-que há tanto tempo que faltaria calendário para comportar todas as suas noites de sexo mecânico (isso quando ele ocorria). Chegava a achar que sabia tanto de 69 quanto um médico legista sabe de engenharia mecatrônica. Precisava comemorar o Dia do Sexo, queria ser inconsequente uma vez na vida. Claro que já havia sido outras vezes, mas não naquele ponto. Sentia-se carente e incapaz de sair à noite desacompanhada, quanto mais de fazer o que estava intencionada a fazer. Seria sua prova de coragem para si mesma.

22h14m18s

Ela teria três etapas obrigatórias a cumprir. A primeira seria beber algo para tomar coragem. A segunda escolher o cara certo. E a terceira encontrar o local apropriado. A bebida teria de ser de alto teor etílico. O cara teria de no mínimo estar num grau de embriaguês tolerável. E o local poderia ser até o banheiro da casa noturna, naquela altura do campeonato não teria como ser exigente. Sabia que dificilmente encontraria um homem sóbrio que aceitasse transar com alguém que recém-conhecera, mas não era esse o motivo que a fazia querer alguém com álcool no sangue: ela temia se apaixonar, e, se isso ocorresse, queria que pelo menos o homem com o qual transara tivesse uma desculpa razoável para ter perdido a cabeça e fornicado com ela, jamais teria relacionamento sério com alguém que em sã consciência fizesse sexo tão casual assim. Mas preferia não pensar na possibilidade de se envolver após um sexo em banheiro de boate com alguém que pouco iria lhe informar além do próprio nome. A tarefa não deveria ser complicada, ela sabia que estava atraente e que homem não presta, o que por si só já consistia em uma combinação mais que suficiente para seus propósitos. Viu na TV que nas micaretas chega-se a beijar mais de 20 pessoas por noite, o mundo atingira um grau de permissividade em que se tornou atestado de incompetência sair de casa e não pegar ninguém. Ou de seletividade, dependendo do ponto de vista. Por um breve instante pensou na dificuldade de ser mãe nos dias de hoje, mas logo desanuviou aquele raciocínio nebuloso ao consultar a lista de bebidas do cardápio.

22h22m08s

Enquanto folheava a carta de drinks e admirava a decoração do lugar, recordara dos ditados recitados por sua avó: “a mente vazia é a oficina do diabo”, ou “o jardim”, ou o “quintal”, ela não recordava direito no momento. Só sabia que queria esvaziar a mente enchendo o corpo de álcool. Cada gole corresponderia a um pensamento lúgubre que transbordaria para fora da cachola. Estaria exorcizando seus fantasmas pessoais, seus entraves falso-moralistas. Perdeu tempo procurando na bolsa um drops que não existia. Voltou ao cardápio.

22h26m47s

Encostou-se na parede ao lado do balcão, passando as bebidas em revista correndo a ponta do indicador pelos nomes extravagantes, irritada com o esmalte vermelho já lascando nas bordas bem aparadas pela lixa de sua manicure. Olhava ao redor por sobre o cardápio, tentando perceber se havia algum homem interessante que despertasse seu interesse em copular com urgência. Observou um que achou atraente, mas gesticulava demais e falava alto, querendo chamar toda a atenção do bar para si. Não, teria muito pouca sensibilidade e sairia contando para os amigos que comeu uma ninfomaníaca antes mesmo de abotoar as calças. Em sua varredura visual, encontrou o caminho para o banheiro, mas era muito à vista de todos, precisava de um discreto, talvez houvesse mais sanitários no ambiente de baixo – pelo que lera na revista, havia uma pista de dança no “porão” da casa. Mas, antes de descer, precisava escolher a bebida. Parou de ficar caçando reprodutores com o olhar e voltou mais uma vez ao cardápio.

22h32m01s

Havia nomes sugestivos de bebidas: Sex On A Singer Beach, por exemplo, indicava que poderia ter algum componente afrodisíaco entre os ingredientes, embora tesão não fosse seu problema, pelo contrário, ela sofria pelo excesso e não pela falta. Precisava era de algo que a desplugasse das amarras de pudor. Não encontrou Absyntho, o que muito lastimou, já que a fama da bebida era a de ter um elevadíssimo teor alcoólico, e ela precisava realmente de um efeito rápido. Whisky com energético, quem sabe, mas achava muito forte o gosto, ficou com medo de se demorar demais tentando colocar a bebida para dentro, e até de passar mal. Quem sabe um guaraná atenuasse o sabor, deixando mais docinho, embora o energético também tivesse esse papel. Prosseguiu e percorreu a lista toda, foi e voltou três vezes, até que se decidiu por uma marguerita. Ficou no balcão tentando achar espaço entre os frequentadores da casa. Quando chegou sua vez, tentou jogar charme para cima do barman, pedindo que caprichasse na dose de tequila. Teve dupla intenção, ganhar mais álcool e também flertar com um possível partner para sua missão. Não obteve nem uma coisa nem outra: ele estava ocupado demais para perceber sua piscadinha e o som da música eletrônica estava alto demais para poder ouvi-la direito. Pegou sua bebida, derrubando um pouco no balcão por causa do empurra e se afastou para procurar o caminho até o subsolo da casa, conformada com o fato de o barman não fazer seu tipo mesmo.

22h41m51s

Arrependeu-se em um primeiro momento por ter decido, pois o porão era bastante escuro, dificultando a prospecção de seu público-alvo. Seria complicado tanto o flerte quanto a identificação dos machos alfa, aqueles que lhe suscitassem mais interesse. Mas algo a animou: viu que havia um banheiro muitíssimo mais discreto que o do pavimento superior. Ficava numa parte escura e de paredes negras. O grande inconveniente é que havia uma fila respeitável na porta, sendo que se desanimou de investigar como era por dentro. Sua marguerita chegava ao fim, a fila no balcão era maior do que na parte de cima, bem como o volume de pessoas por metro quadrado no ambiente, acotovelando-se na disputa por um espaço na pista ou por uma cerveja morna no bar. Enquanto esperava sua vez (ou seu espaço) lambia o sal que contornava toda a borda do copo.

22h47m11s

Chegara sua vez, mas de novo se degladiava com o cardápio de bebidas batizadas com nomes esquisitos. Começava a se impacientar com a demora das coisas, já deveria estar trocando conversa com alguém àquela altura. Por falta de ideia e pela dificuldade em ler o cardápio apenas com as luzes da pista de dança incidindo sobre aquela lâmina de papelão plastificado, resolveu pedir outra marguerita. Dessa vez nem se atreveu a flertar usando o golpe da caprichada na tequila – o som no local estava muito mais alto do que no pavimento superior e os dois barmen estavam ocupados demais, nenhum teria tempo para pular pelo balcão e dar uma rapidinha. Mesmo que fosse muito rapidinha.

22h59m03s

A bebida demorou a chegar em sua mão. Bebeu mais rápido para ver se acelerava o efeito. Ficava difícil lançar algum olhar insinuante naquela escuridão, e boa parte dos homens conversavam entre si, chegou a desconfiar que era uma casa GLS. A Veja dizia que o lugar tinha uma jam session de jazz, mas só estava rolando música eletrônica. Deduziu que leu errado ou que tocavam aquele tipo de som em outro dia da semana. Mas nem era muito chegada em jazz mesmo. Começou a arrepender-se de não ter ido no Taj, apontado pela revista como o melhor lugar para azaração. A fila do banheiro continuava grande. Quem dera conseguisse um cara com carro confortável... Mas, ao constatar que agora tinha menos de 60 minutos para dar cabo em sua missão, percebeu que só um cara já estaria de ótimo tamanho.

23h06m28s

A marguerita acabou rápido, mas não estava sentindo nem um pilequinho sequer. Pensou no que havia comido, mas não era nada de fritura, gordura ou algo que impedisse o álcool de subir. Agora, puxava para si o limão preso à borda da taça e o chupava com cara de contrariada, mal se importando com o azedo da fruta. Nem se deu conta de que havia ficado sexy sugando aquele gomo verde entre seus lábios rubros, deixando de aproveitar aquela oportunidade de ampliar seu poder de atração. Estava desconfortável numa banqueta no bar, o tempo todo com alguém inconveniente empurrando-a para se aproximar do balcão e fazer um pedido. Resolveu se levantar e se recostar em uma pilastra, de frente para a pista. Talvez lá se mostrasse isca fácil. Realmente, não demorou para ser abordada por um rapaz de moicano e aparelho nos dentes. Era bonito e tinha um sorriso metálico simpático. Só que, nitidamente, estava além do ponto no quesito etílico, e lançando perdigotos enquanto fazia perguntas incompreensíveis. Ela logo entrou em desespero. Sabia que com ele é que não poderia ser, sob pena de traumatizar seu Dia do Sexo, tornando-o uma data a ser esquecida para sempre. Como também sabia que a presença daquele teenager metido a galinha iria dificultar a abordagem de outros frequentadores do bar. Não era o tipo da mulher indelicada, daquelas que sentem prazer em dar um fora, então esperou a conversa se esticar mais um pouco e pediu licença para ir ao banheiro. Durante todo o diálogo não entendera uma só palavra do rapaz de camisa de futebol americano, apenas balançara a cabeça afirmativamente e sorrira, enquanto ele, com toda certeza, se gabava de algum feito e tentava convencê-la de que era a melhor opção masculina do recinto.

23h14m39s

Quando percebeu já estar camuflada de seu pretendente, usando os frequentadores como escudo humano, saiu da fila do banheiro e foi até o bar pedir outra marguerita. Sabia que enfrentaria mais um tempo de espera até chegar sua vez. Mas surpreendeu-se com um homem sarado que lhe deu espaço para que passasse à sua frente. Pediu sua bebida, e só não xingou o barman exigindo que botasse tequila de verdade porque o musculoso chamou sua atenção com a gentileza de ceder a vez. Resolveu puxar papo com ele enquanto sua bebida não chegava. Com falta de o que perguntar, indagou o que ele fazia da vida, sendo que nem reparou na resposta, não pelo fato de o som estar altíssimo, mas porque algo em sua boca lhe chamou a atenção: o rapaz não tinha um dente da frente. Ou melhor, tinha um pivô, sendo que o esmalte escurecia com a luz negra que era projetada em um dos cantos da pista. Segurando o riso e o próprio constrangimento pelo vexame alheio, pegou sua bebida e pediu licença, argumentando que o celular estava tocando e precisaria atendê-lo lá fora.

23h28m19s

Chegando na parte externa do bar, acomodou sua bebida em uma das mesinhas e guardou seu celular, já que não tinha mais motivos para disfarçar. Em outras mesas observou quais os tipos que poderiam ser seus prospects, percebendo que tinha apenas meia hora para a façanha que planejara de rompante. Um era simpático mas calvo demais; outro com rosto muito harmonioso mas barrigudo demais; mais adiante um muito bem vestido, só que fungava tanto a ponto de ficar indisfarçável ter cheirado o pó que o diabo amassou; em um canto, um rapaz moderninho no visual e na pose, mas com um piercing pendendo do lábio inferior como um tumor metálico; perto da porta de saída um emo que tinha corpo e tatuagens bonitos, mas com o cabelo laranja e seboso cobrindo o rosto até a altura do queixo; do outro lado, um possível lutador de jiu jitsu que inspirava segurança, mas de orelhas esfareladas por tanto atritá-las no tatame; na passagem para o ambiente dos caixas, um carinha com ar de pegador, muito sedutor, só que chegando junto de uma garota que nitidamente se afastava pelo bafo de cerveja ou coisa pior. Resolveu voltar para o ambiente da pista, em desespero de causa estava disposta até mesmo a praticar a dança do acasalamento.

23h36m09s

Dançou da forma mais sexy possível, quase encostada a uma pilastra. Começou letamente e logo foi se soltado. A marguerita e a bolsa dificultavam seus movimentos, mas dane-se, alguém capaz de suportar por tanto tempo uma relação em constante naufrágio estaria habilitada a manter firme o leme até com os braços amarrados. Dançou, balançando os cabelos lisos de um lado para o outro, mexendo os quadris de forma insinuante, levantando o braço desocupado e girando o pulso quase que sinalizando “tô aqui, ó”. Não tardaram a baixar os gaviões de micareta, primeiro um que havia saltado do catálogo da Ford models, mas que dançava à sua frente de forma tão destrambelhada que parecia ser ele quem equilibrava uma bolsa, uma marguerita e o senso de ridículo, que aparentava na verdade já ter se espatifado no chão há muito tempo. Seguiu-se a ele outro que exalava um perfume irresistível, mas era do tipo “grudento”, já chegando como um octopus, pegando-a pelo ombro e falando bem de perto com seu hálito de Marlboro e voz de radialista de FM, fazendo-a quase ceder mais pela persistência do que por sua urgência de sexo, mas ela não havia bebido o suficiente para fazer vistas grossas a um homem que anda de suspensório e cinto. Dirigiu-se a outro canto sem parar de dançar e viu três rapazes muito mauricinhos na aparência, poderia até ficar com qualquer um deles, mas os moleques se empurravam uns aos outros para chegarem nela, visto que estavam certamente apostando quem levaria a melhor com a bêbada (e ela nem de pileque estava). Ficou indignada com aqueles rebentos ainda cheirando a Parmalat e passou pelos três esnobando-os sem dó, despejando o resto de marguerita em seus pés embalados pelos mais recentes modelos da Nike. Viu então as mesas próximas de vitrais em mosaico num canto e dirigiu-se para lá. Sentou e olhou para o bar distante, desmotivando-se a atravessar a pista e enfrentar a horda de frequentadores que queriam molhar a garganta.

23h45m17s

Olhou para o relógio e desesperou-se. A frustração começava a se apoderar de seus pensamentos, passando a olhar ao redor buscando por alguém que a salvasse em meio à escuridão. Em menos de um quarto de hora teria de se embriagar, achar um macho e um lugar para a cópula. Foi quando uma mão robusta a pegou pelo pulso puxando-a para a pista de dança. Ficaram em um canto onde não insidiam as luzes estroboscópicas, e a penumbra a ajudava mais do que nunca, pois em meio ao semi-breu poderia imaginar que aquele homem era quem ela bem quisesse: George Clooney, Brad Pitt ou até mesmo o seu real companheiro, só que como o homem que ela gostaria que fosse, e não aquele pelo qual se apaixonara. Ficaram mexendo o corpo ao som de Elastica e rapidamente o desconhecido a tomou pela cintura dando-lhe um guloso beijo de língua. Demoraram-se assim por alguns minutos, até que ela se deu conta de que seu prazo estava acabando, precisava ter atitude. Foi a vez de ela puxá-lo pela mão até o banheiro feminino. Deu sorte de não haver fila. Entraram, ela jogou sua bolsa sobre a pia e esforçou-se para desativar seu entrave inicial acionado pela fedentina, tratando de continuar a beijá-lo para esquecer o pequeno e abjeto ambiente ao redor, com um latão do qual transbordavam papéis sujos e uma torneira que pingava insistente e irritante. Virou-se de costas levantando a saia rapidamente, apoiando-se com as mãos na parede de azulejos brancos ao lado do vaso sanitário. Ouviu o som do cinto sendo desafivelado e do zíper abaixado. Sentiu a calcinha ser afasta para o lado por um par de dedos grossos que a puxaram pelo elástico, com a glande vindo em seguida e o membro abrindo espaço pelo sulco vaginal, invadindo sua cavidade íntima sem respeitar a falta de preliminares e de lubrificação. Olhou para o relógio discretamente e percebeu que atingira seu intento quando faltavam apenas quatro minutos e meio para expirar seu prazo. Sabia que não iria conseguir gozar naquelas condições, mas não importava, já havia cumprido com sua questão de honra. Pouco antes de os ponteiros de seu relógio se encontrarem, percebeu a respiração mais ritmada e arfante de seu amante de última hora, que agora gozava na meia-noite em ponto. Teria de usar a pílula do dia seguinte. E já era o dia seguinte. Dia da Independência. Aquele gozo alheio e anônimo inaugurava sua liberdade. Não sabia se iria querer repetir a experiência. Mas essa questão agora era irrelevante. Não sentia-se uma adúltera, pois seu relacionamento já havia morrido há muito tempo, só faltava a pá de cal. Branca como esperma. Aquele momento a fez novamente lembrar dos ditados de sua avó: “a ocasião faz o ladrão”, ou a "oportunidade", ou a "situação", ela não lembrava direito. Confirmou-o não só por sua própria atitude, mas também pela de seu macho improvisado, que se revelou um grande aproveitador ao se debruçar sobre suas costas. Foi quando sentiu na roupa dele o cheiro da essência de uva.


Mario Lopes

9 comentários:

Deus usa sunga.... disse...

Muito bom! Adorei o final!

Anônimo disse...

Muito obrigado. Não sei quem você é, mas espero que continue adorando. ;-)
Beijo.

Mario

Anônimo disse...

uhuuuu! ótima história.
Thainá

Anônimo disse...

Obrigao, Thainá. :-)
Beijo.

Mario

Anônimo disse...

Haha , legal. O Wonka era legal, já me dverti muito lá. Lembra aquele dia, Mário, que eu estava com voce, o Beto e o Bruno no carro e combinando com minha prima de ir no Wonka?Eu precisava ir NAQUELE dia, e fui.Me diverti, proveitei horrores. E foi minha última ida lá, haha!
Beijos

Bianca

Anônimo disse...

Lá é muito bom hoje (quinta), dia de jam session.
Beijo.

Mario

PAPO DE RESPAWN disse...

Aahuahuahauhauhau, dá-lhe!

Anônimo disse...

hehe Dá-lhe, é? A personagem real que inspirou a história não gostou muito do desfecho. rsrs
Abraço.

Mario

Karime disse...

Ja estive em uma situação parecida. Veja bem... parecida. Não era Curitiba, cidade que amo, onde meu pai nasceu, mas era Porto Alegre. Por isso que digo que tu tens alma feminina...parece que adivinha o que se passa na cabeça das mulheres, o que elas pensam, o que elas querem.
Muito bom!