terça-feira, 6 de abril de 2010

História De Bagagem


“Penha”, em seu ritmo desacelerado, chegava devagar, quase parando. E parou. Às 21h35, desciam pessoas segurando em suas bagagens, grandes, curtas, alegres ou tristes histórias. O relógio central agora marcava 21h37, hora de “Transtupi” ir embora. Mas não era triste: partiu levando sorrisos e olhares felizes que podiam ser vistos das janelas. Só naquela hora, quinze latas saíram rumo à Umuarama e outras tantas para qualquer destino dentro da cidade. E de “rés” e entradas, saíam e surgiam novos destinos e futuros.

A rodoviária Curitibana é apenas um lugar de passagem. Porém, no segundo andar, alguém quer tornar a cidade permanente na memória de quem passa ali. Mesmo comercializando artigos para lembrança de Curitiba, a loja anuncia “semi-relógios, jóias, óculos de sol, perfumes, cosméticos e bijuteria”. Esqueceu de colocar o que de mais interessante nela se vende. Mas a “Casa dos presentes”, do outro lado do corredor, frisou em Caps Lock, “LEMBRANÇAS” como uma das suas opções. Apesar disso, em cinco minutos, vinte e duas pessoas passaram na frente da loja sem nome e olharam para seu interior. O pequeno Alexandre era um deles, pois quando não girava em 360 graus, olhava concentrado nos pequenos bonecos e carros, que para ele se tornavam gigantes.

Uma mulher meio bêbada, só de calcinha, também já havia passado por ali uma vez. Márcia, vendedora da loja sem nome, riu de canto quando se lembrava da cena na rodoviária onde para ela “você vê de tudo um pouco”. Em cinco meses trabalhando lá, fez mais amigos do que em vinte e dois anos de vida. Mas entre eles não está a mulher de calcinha vermelha e seios à mostra.

Naquela noite, havia alguém que perderia um destino, talvez um reencontro ou um afago da família. Rose contou que isso sempre acontece. Pessoas sempre esqueciam seus destinos em cima do caixa onde ela trabalha. Eram 21h43 e se Anderson não voltasse em 15 minutos, Criciúma ficaria para outro dia, mas não naquela noite. E foi assim que aconteceu.

Mas isso era apenas um dos tantos incidentes que aconteciam lá dentro. De segunda a segunda, cenas de sexo no banheiro, travestis e homossexuais passam por ali aonde Maurício limpa. Apesar disso, o brilho de seu sorriso ofuscava de longe, sorrindo mesmo com mão enfiada no lixo. Depois de limpar quase um quarto da rodoviária, sai catando lata por onde passa. E à medida que enche sua mala, garante um aumento de até duzentos reais na renda que ele mesmo faz. “Só não roubo”.

Maurício acha que não, mas rouba um pouco do “ganha pão” de seus colegas catadores de latinhas, como Osvaldo de quarenta e seis anos. Com dois filhos e a patroa Juscelina para sustentar, o homem de sacola preta nas mãos e olhar azul anil cansado, faz de seu local de trabalho a grande Curitiba e ali, depois das 18h, um “bico”. Já do outro lado, o moreno broncudo que revira os lixos toda hora e não tem tempo quase nem para falar, só sabe dizer “por dinheiro não falo”, mas continua pobre com seu manto cinza por cima.

Ninguém fica lá. Famílias, jovens, crianças, andarilhos, serventes passam toda hora. Mas quem ficava parado por mais tempo ali olhando para o lugar de passagem são os olhares atentos dos seguranças e dos policiais. E também dos taxistas. Amilton tira dali o que precisa para ajudar no sustento do engenheiro elétrico, da contabilista, dos dois analistas de informática, da estudante de química e da esposa, dona de toda essa cria. Depois de vinte metros de história, mais um cliente chegou. E tantos outros que naquele mesmo instante partiram. Levaram em suas bagagens mais histórias para contar. Deixaram naquele “não lugar”, outras tantas para ainda serem contadas.



Bianca Nascimento

Um comentário:

Karime disse...

Oi, Bia! Adorei o texto! Me lembra alguns "pedacinhos" de Porto Alegre, principalmente na região portuária, onde tenho certeza que também existem histórias assim.

Beijão