quinta-feira, 15 de abril de 2010

Leões De Olhos Azuis


Quando meu avô morreu eu tinha menos de 2 anos. Mas eu lembro quando a gente sentava no jardim de casa nas frias manhãs de inverno, pra tomar sol. Pude ver a neve naquela manhã gelada de 1975, no colo dele poucos meses antes dele partir.
Minha avó me criou enquanto meus pais trabalhavam pra trazer o sustento de casa. Ela, dona de casa, continuou dando todo amor que ele não podia mais oferecer. Sempre contava sobre ele e sobre o que tinham vivido e falava que meu avô era um homem sem vícios, mas muito sedutor. Ele tinha os olhos azuis como os da minha mãe...
Deixando um pouco de lado todo romantismo e nostalgia da criança que não viu mais a neve, penso que esse assunto me lembra uma prática libidinosa, lasciva, voluptuosa, invariavelmente desejável: Sedução. Arma letal dos homens de olhos azuis. Vovô que me perdoe, mas eu sei que ele era do tipo que conquistava de longe, era como se fosse um gigolô com princípios. Só de olhar já sabia o que queria dizer, o que queria fazer e o que esperava de volta.
E como um leão, elegeu entre as leoas a que seria a sua rainha, a sua preferida. Arrancou da sua escolhida todo amor, sorveu-lhe toda dedicação, prazer, atenção, devolvendo-lhe a uma certa distância, um doce olhar azul. Com seu jeito de andar imponente e seguro, nunca deixou transparecer qualquer sentimento de dor ou fraqueza.
A leoa impunha-se altiva e dominante às outras da mesma espécie, ainda que lhe servindo em silêncio. Caçou para ele, alimentou-o, o fez o verdadeiro rei. E dele, continuou a receber aquele doce olhar. Apenas o olhar. Desejava mais, precisava de mais, mas o rei precisava exercer seu papel de líder e apenas... liderar.
Na selva, leões costumam ter mais de uma leoa à sua disposição. Ainda que tenham àquela que está ao seu lado, nenhuma das outras deixa de estar presente, andam coladas nas suas patas, protegendo-o e satisfazendo aos seus instintos. Não recebem o doce olhar azul, mas estão lá, sempre lá, esperando que um dia a caça que elas abateram seja a saboreada pelo rei.
O rei pode mesmo comparar-se a um gigolô que não cansa de ser adulado por suas servas, mas esquece de um detalhe importante. Um dia, a caça pode acabar. E se na fome entre eles tiverem que comer uns aos outros, primeiro irão os mais fracos, depois os menos velozes e por fim os que tiverem motivos para entregarem-se à morte. Entre o rei e a rainha, qual vai sobreviver?
Se meu avô fosse vivo acho que ele me diria que a relação de amor entre leões é sempre sincera. Mas não esqueça de alimentá-la. A leoa irá devorar-lhe por fome, e não por falta de amor. Nem sempre a força... nem sempre...


Angelica Carvalho

Um comentário:

Karime disse...

Vóvis deve estar se revirando no caixão com tal comparação.
Adorei!

Bjos, amiga!