sexta-feira, 23 de abril de 2010

Jogo De Nicotina


Ela nada conhecia do amor além do que ouvia da boca das amigas e via nos filmes. Não entendia aquele furor, aquela melação, aquele desapego de si própria, aquela vontade de perder sua essência e ficar igual a da outra pessoa, que no fim, sempre se descobria que não prestava.
Flavia se negava a conhecer alguém mais a fundo, mas fazia questão de se divertir. Três noites era o seu limite. Durante esse período, ela deitava e rolava com seus amantes, mas nunca deixou que a relação ultrapassasse as barreiras do carnal. Três dias era o tempo necessário para que nenhuma regra fosse quebrada e ela não acabasse se apaixonando.
Em uma noite, enquanto aproveitava seu último terceiro dia com o seu amante provisório, Flavia conversava com um rapaz, amigo do homem amante, há mais de 2 horas e nem notava o tempo passar. Quando viu as horas no relógio, tirou as mãos do outro homem de seu colo, levantou-se e olhando diretamente para o rapaz, pediu que alguém lhe desse uma carona. Não esperou resposta. Pegou no braço de Vinicius, o seu desejado, fez com ele pagasse a conta e ainda abrisse a porta de seu carro para ela entrar. Foi para sua casa e fizeram mil e uma peripécias na cama. Deitaram e rolaram em cada canto da casa.
Depois de horas, ela deitada na cama, as mãos ao redor do pescoço de Vinicius, observava-o fumando. A boca carnuda que tragava e soltava a fumaça com masculinidade, as mãos que subiam e desciam, com o cigarro pendido no dedo... seria tudo encantador, não fosse ela ter olhado, acidentalmente, sem nenhuma curiosidade ou dúvida, a marca daquele cigarro.
- LM? Ué, não tinha dos bons?
Ele a olha de canto de olho, parecendo completamente disperso:
- Oi? Quer um?
Ele estende o braço para pegar uma carteira fechada de cigarros, mas ela o impede e com cara de desconfiada, responde:
- Não, não, eu tenho dos meus. Mas... você gosta de LM? Não tava faltando da sua marca, e aí você não quis gastar muita grana com uma marca muita cara, e acabou comprando LM... tipo como todo mundo que aparece com um cigarro desses na boca?
- Meu, fuma um aí.
Flavia deu uma risada debochada, mas pegou o tal do LM e se concentrou para tragar ao mesmo tempo em que tentava fazer uma cara hilária, de quem estava achando aquilo tudo uma grande piada.
Fumou até o fim, e quando acabou, só pra não perder a razão, deu uma tossidinha e falou que aquilo era cigarro de pedreiro.
Vinicius fingiu que não ouviu, mas olhou bem para a carteira de Lucky Strike dentro de sua bolsa e teve certeza do que aconteceria.
Nos próximos 3 dias, Flavia, sempre muito esperta, passou a inventar desculpas para fumar um dos cigarros de Vinicius, até que ele, já tendo percebido tudo, não perguntava mais e simplesmente colocava um cigarro dentro de sua boca.
Considerando que estava realmente contente com seu amante, Flavia achou que poderia multiplicar por alguns números o seu tempo limite de 3 dias e ficar com Vinicius por tempo indeterminado, até que cansasse dele.
E assim foi. Passearam, viajaram e fumaram muitos cigarros juntos. Alguns pouquíssimos Lucky Strikes, muitos tantos LM´s. Flavia se rendera a tal ponto que, se antes fumava apenas meia carteira por dia, hoje já passava da uma e meia. Sempre LM.
Vinicius, orgulhoso, não podia evitar a satisfação em ver a mulher que antes o criticara, estar aderindo aos seus hábitos. Olhava-a com o cigarro na boca, fechando os olhos, cruzando os braços, e aquelas duas letrinhas marcadas no filtro pareciam lhe dizer: Você venceu!
Convicto de sua vitória, Vinicius um dia apareceu em casa com outra mulher. Sem dar explicações, apenas olhou para a Flavia, e com toda a frieza do mundo, pediu que ela fosse educada e deixasse o casal em paz.
Flavia não chorou, não sentiu raiva, nem pena, nem nada. Nunca passou pela sua cabeça se vingar de Vinicius, e fazer algo realmente forte, como voltar a fumar Lucky Strike. Era fiel ao que gostava.
Ele que tratasse de converter mais uma... aquela tinha cara de Carlton Crema, ou seria L.A. cereja?











Letícia Mueller

Um comentário:

Karime disse...

Muito bom! meio cruel, não ? Mas demais, como sempre.
Beijos, Leticia!