sábado, 8 de maio de 2010

Confissões De Uma Noiva Em Fúria


Eu já nasci cheia de idéias, transbordando planos e criando expectativas. Brincava de boneca, sonhando com filhos; dialogava solitária com meninos, sonhando com uma eterna união; cozinhava e limpava na minha mini casinha, sonhando com uma família e um lar para cuidar... criança sonha forte e crê tanto no que almeja que não sente medo do futuro e sai fazendo promessas ao léu. Eu prometi uma Ferrari pro meu pai, jurando de fazer cruzes com os dedos do meio e indicador, para depois aproximá-los de meus lábios e beijá-los. Se ele me olhava com ar de graça dizendo amém, eu já entendia que ele não confiava em mim, e meus olhos ficavam marejados em lágrimas.
Já quis ser de tudo na vida. Quando bem nova, eu realmente desejava me tornar uma freira e inclusive já corria atrás das informações e procedimentos para preparar tudo o quanto antes. O engraçado é o que me motivava a querer seguir tal “profissão”. Por sempre ter me achado uma pessoa ruim, na verdade desde os 5 ou 6 anos de idade, eu acreditava que o único jeito de Deus me perdoar e de eu não ir para o inferno, era me tornar uma freira. Eu tinha medo de mim mesma e do que eu seria capaz de fazer, mas o meu medo por Deus era de tamanha proporção que eu estava disposta a ceder minha vida por ele.
Já sonhei em ser atriz, cantora, apresentadora de TV e pop star, como toda boa criança. Até americana e irmã gêmea eu já quis ser. Queria ser engenheira para construir os brinquedos dos parques de diversão, arquiteta ou paisagista, para fazer projetos ousados que só um louco compraria, estilista para poder ter o armário dos meus sonhos, dentre tantas outras atividades que mal eu me lembro.
Na escola, quando eu respondia aqueles cadernos de confidência, repleto de perguntas bobinhas e ousadas, eu hesitava na questão: O que você quer ser quando crescer? Porém, como eu já tinha algumas tantas opções, eu decidia na hora por aquela que, se naquele instante, surgisse um gênio da lâmpada e adiantasse o tempo em uns 10 anos, eu escolheria.
A pergunta mais difícil, e que eu sempre deixava por último, era “Qual o seu maior sonho?”. Primeiro que, pelo que eu me lembro, eu não tinha sonhos concretos naquela época, a não ser ir pra Disney ou ganhar qualquer torneio de tênis. Segundo que, escrever aquilo para todos lerem e realmente acreditar que aquele era meu grande desejo, seria como estar gastando fichas com bobeiras. Por isso, demorei alguns anos até ter certeza de qual era meu sonho, e quando eu descobri, tratei obviamente de espalhar para todo mundo. Era uma delícia saber que finalmente, havia algo que eu realmente desejava e eu já podia falar “O meu maior sonho é...”.
Bem, ingênuo ou não, pelo menos meu pedido era fácil de ser realizado. Eu queria uma banda de rock. Convenci minhas amigas a se juntarem a mim, e já estava tudo encaminhado. Tínhamos até letras de músicas e o nome do conjunto. O único e grande problema eram justamente os instrumentos. Ninguém sabia tocar nada, mas todas estavam dispostas a aprender. Porém, meu pai se negou a aprovar a idéia. Pedi um violão de Natal ou aniversário, e ele literalmente riu da minha cara. Pedi para ter aulas de violão, e ele, me enchendo de esperanças, falou pra eu procurar algum local perto de casa que fosse barato e quando eu o achei, ele riu da minha cara. Cheguei a ceder as suas chantagens, quando ele falou que se eu continuasse com as aulas de natação eu entraria para as de violão. Continuei a nadar, e ele riu da minha cara.
Demorei a desistir, mas a hora chegou. Frustrada, eu cansei de tentar por uma coisa que acabou me parecendo impossível, e fiquei novamente sem sonho algum.
Foi pensando nisso, ainda menina de 13 anos, que notei que sempre tive um objetivo ao qual lutar e que me acompanharia por toda minha vida, até que eu o conquistasse. Não muito criativa, mas nem por isso desonesta, eu desejava encontrar meu príncipe encantado, entrar em uma igreja toda enfeitada usando um belo vestido branco, e dizer o tão imaginado sim. Quando eu via filmes românticos, era impossível agüentar as lágrimas no momento em que a noiva aparecia à porta da igreja, sobre o olhar fascinado dos convidados.
Esperava ansiosa para que o tempo passasse logo, e chegasse o meu dia.
Com passar dos anos, sonhos surgiram e se foram com a estação. Na maioria das vezes, por desestímulo do meu pai. Talvez alguns pensem que se pra mim foi tão simples desistir, eu estava enganada quanto ao que realmente queria. Mas só eu sei exatamente o que passei.
Escrevi uma lista para fazer uma estatística de quantos planos foram arruinados pelo homem que dorme á 5 metros de mim há quase 19 anos, minha idade. O resultado foi terrivelmente assustador. Seria como se seu maior inimigo morasse no mesmo teto que você.
Mas a vida não pára. Aprendi a lidar e cuidar daquele que me fez mal, e tratei de continuar seguindo, mesmo que minhas lágrimas tivessem secado incontáveis vezes durante tão pouco tempo.
Apesar de tudo, não tenho dúvidas de que tive muita sorte. Encontrei o meu príncipe encantado, e para minha felicidade, mais cedo do que eu imaginava.
Estávamos correndo com preparativos para o casamento, mais do que contentes com a incrível aceitação da minha família, quando um dia, como se estivesse contando que comprou uma bolsa na feira, minha mãe me diz que o casamento foi cancelado. Simples assim. Faltando apenas dois meses, o pacote da lua de mel comprado, vários convidados já com suas passagens pagas e emitidas, inclusive minha sogra, que vinha de Portugal, eu descubro que o casamento não iria acontecer.
Não tive palavras ou reação para expressar o que senti. Minha mente tentava absorver o fato ao mesmo tempo em que meu corpo tentava esboçar alguma reação, como se temesse explodir. Eu era uma vítima de mim mesma, sem controle algum do que acontecia com meus sentidos. A angústia era tanta que qualquer sinal de vida que meu corpo demonstrasse me irritava. Era como seu eu me esforçasse para acreditar que aquela vida não era a minha, aquela família e aqueles problemas não me pertenciam, e eu estava ali só para assistir a tudo. Tive uma imensa vontade de dormir por um dia inteiro, para acordar, tomar água, comer e voltar a dormir. Queria poder seguir assim, para todo o sempre, sem complicações, totalmente alheia ao mundo e a mim mesma. Porém, o máximo que consegui foi evitar qualquer pensamento ligado a casamento, desde enxoval até a lua de mel. Na verdade, evito qualquer pensamento que me lembre que ainda estou aqui. Comer, já não me faz mais sentido. Tudo o que coloco na boca, parece empelotar e virar papel.
O pior é ter que manter a pose e fingir que está tudo bem.
Como já ocorreu em tantas outras vezes, sinto o meu corpo, a minha alma, ou qualquer parte ou todo de mim, se esfarelando irreversivelmente. Se em outras vezes consegui recuperar os pedaços que me compunham, hoje o que eu sou já está danificado.
Me sinto frágil, prestes a me esvair junto com a primeira brisa que quiser me levar.
Que tudo seja só uma tempestade passageira.
E que o inverno venha sem brisas, ou que pelo menos passem bem longe de mim.


Letícia Mueller

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