sexta-feira, 14 de maio de 2010

Personalidade Nominal



Chamava-se Guilhermina. Já começara bem a sua vida. Desde que se conhece por gente, ela é ridicularizada pelo nome masculinizado. De nada adiantava que o pessoal de sua casa lhe enchesse de elogios se porta afora era vista como uma sapatão, uma andrógina estranha e truculenta. Tudo por causa do nome.
Guilhermina passava horas no espelho examinando sua aparência, desde os fios de cabelo, até a pele do pé. Tentava achar algo bonito, ou feio, alguma coisa que se destacasse naquele grande bloco de pele, osso e gordura.
Tudo nela era tão normal que chegava a dar sono.
Não era nem magra, nem gorda, nem gordinha, magrinha, nem nada. Não tinha um corpo bonito, que se pudesse dizer bem feito, mas também não o tinha horroroso, que chamasse a atenção. Tinha formas que de tão indefiníveis, pareciam repelir os olhares preguiçosos evitando incessantemente qualquer coisa que lhes aborrecesse com sem gracisse.
Guilhermina buscava dentro dos seus olhos um toque de diferente, mas para combinar com seu conjunto nude, não via mais nada além de dois buracos pintados de marrom escuro. O formato também deixava a desejar, sendo realmente semelhante a duas escavaçõezinhas feitas no rostinho invisível.
Alguns poderiam até dar graças a Deus que os olhos não chamavam a atenção, pois se do contrário, pareceriam fantasmas flutuando no ar.
E isso não se dava pelo tom de sua pele, dos cabelos, dos lábios, ou qualquer coisa que o valha, mas pela ornamentação dos elementos que compunham Guilhermina, tão sem forma, quase maleável, tipo massinha de argila, tirando a parte da diversão.
Ela era assim, sem graça, sem cor, sem vida. Um objeto andante que falava, ouvia e sentia, sem ser ouvida ou notada. Vivia sem existir.
Mas, ela tinha os seus momentos de glória. Depois de passar anos e anos examinando-se no espelho sem nada ver, Guilhermina notou que ser andrógina e esdrúxula era uma característica atribuída única e exclusivamente ao seu nome, e não sua aparência.
Era como se a visão que o mundo tinha dela fosse um espelho do que representava o tal nome Guilhermina, e nada mais do que isso. Um nome ultrapassado, antiquado e masculino. Um nome prepotente, por achar que basta acrescentar 3 letras para se tornar o nome de uma donzela. Um afronta aos delicados e femininos nomes normais que se usam por aí.
Mas, esse nome era ela, e Guilhermina sabia disso. Sabia que era sua chance de aparecer no mundo, de parecer alguém, de se sobressair em meio a multidão, por mais, é óbvio, que ainda existissem outras tantas homônimas a ela.
Pelo menos, quando lhe perguntavam como se chamava e ela respondia, conseguia tirar alguma expressão do rosto das pessoas. E assim, tinha seu momento de felicidade.
Chegou até a pensar em criar um crachá para usar na rua, e exibir em letras garrafais bem chamativas todas as letras do seu nome G-U-I-L-H-E-R-M-I-N-A.
Mas pensou que talvez fosse mal interpretada, e nunca o fez.
Cada vez mais incorporada em si mesma, ela descobriu uma rainha xará, grande negociante e persistente em suas negociações. Leu a respeito, e ficou espantada com tantas semelhanças.
Assim como ela, a rainha mantinha um bom relacionamento com os pais (apesar dos pesares), era de forte personalidade, agindo e falando de acordo com seus pensamentos, sem censura, e era dotada de um grande espírito empreendedor.
Gostou, pesquisou, e acabou viciada nas literaturas que tratavam do assunto. Lia livros e mais livros sobre a rainha, sobre suas vestimentas, suas manias, suas estratégias, seus penteados, seus amigos, família, conhecidos, sobre tudo.
Cada vez que lia uma nova obra, inconscientemente, roubava um pedacinho para si e transformava-o em parte de sua personalidade.
Costurava vestidos estranhos, prendia os cabelos em formas complicadas, andava de cabeça erguida, peito estufado, toda impecável.
Tornava-se, aos poucos, a verdadeira Guilhermina, e fazia jus ao nome imponente que tinha.
Seus novos hábitos até lhe garantiram olhares na rua. Passou a chamar a atenção sem ter que abrir a boca, apenas passeando por qualquer lugar onde houvesse pessoas.
Aliás, era até raro alguém que não prendesse o olhar na figura que Guilhermina virava. Alguns disfarçavam, embaraçados com a presença, outros nem tão discretos, quebravam o pescoço para observá-la.
O ápice ocorreu quando, em plena rua XV, repleta de pessoas de todos os tipos, um artista de rua pediu para retratá-la em desenho de grafite.
Era o seu momento. Guilhermina, extasiada, aprendeu a viver, e sabia que assim como a sua rainha, estaria para sempre imortalizada em uma obra de arte.




Letícia Mueller

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