segunda-feira, 24 de maio de 2010

Tema da Semana: Doutor, é aqui que dói.

Passividade

Silvia era completamente apaixonada por Alexandre, por ele fez e fazia loucuras. Alexandre, no entanto não correspondia a tanto amor e devoção, era casado, mantém com Silvia um romance as escondidas no trabalho, tratava a garota com desdenho muitas vezes, melhor dizendo, um instrumento sexual ao seu dispor, bonitinha, gostosinha, arrumadinha, diferente da sua esposa que também recebia o mesmo tratamento, mas já estava na casa dos quarenta anos, batalhou duro ao lado de Alexandre para que conseguissem ser o que hoje são possuírem o status que possuem, mas ele também não a valorizava. Para Alexandre mulher que chega aos trinta chega também no prazo máximo de validade.
Sabiam uma da outra como uma verdade velada para Alexandre. Letícia a esposa, apesar de saber das escapadas do marido e saber também das escapadas permanentes com Silvia preferia tapar o sol com peneira, tinha medo, medo da exposição pública, medo de perder o conforto que o marido lhe proporcionava, não reconhecia que Alexandre chegou aonde chegou também pelo esforço, apoio e dedicação de Letícia, mas o medo persistia, medo de não poder criar os filhos ainda pequenos, medo dela mesma, medo de sua covardia. Silvia sabia de sua condição de substituta, ela tinha a cama, e nada, além disso, nas festas e jantares era Letícia quem comparecia, nas reuniões de final de ano, viagens de férias ao exterior era Letícia quem estava lá e Silvia tinha o resto, o horário de almoço, uma escapada na hora do futebol, fim de semana jamais, somente quando Letícia viajava para casa dos pais, mas Silvia não reclamava acreditava que o seu amor fosse maior que tudo, para ela bastavam as migalhas de atenção de Alexandre, estava cega, embebedara-se pela paixão, jamais sequer teve vontade de assumir o papel principal.
Até que um dia, como que uma peça que o destino pregara naquele trio, Silvia e Letícia se encontram em um salão de beleza, se esbarram, educadas e gentis trocam cumprimentos e se mantém cortês. Mas a ira, a raiva e o ódio tomam conta de uma e outra e a partir daquele momento Silvia e Letícia abrem seus olhos, percebem a vida que levam o nada que possuem, amavam uma pessoa incapaz de amar, um homem egoísta preocupado com seu status e apenas isso incapaz de olhar a sua volta.
Resolvem ao mesmo tempo, sem saber uma da outra a virar o jogo, resolvem jogar tudo para o alto e apostar no tudo ou nada. Ligam para Alexandre simultaneamente perguntam onde ele estava ele fala para ambas que está no trabalho e dentro de duas ou três horas está dispensado e retorna a ligar mais tarde. Para Alexandre sempre foi muito fácil lidar com a passividade de ambas, ele detinha o controle. Três horas depois a secretária de Alexandre avisa que Silvia marcara uma consulta de urgência com ele, ele consente e diz que a secretária já pode ir embora.
Aguarda a chegada dela imaginando ser mais uma rapidinha depois do expediente e que depois iria jantar com sua família feliz enquanto Silvia juntava suas roupas e seguia até em casa. Mas dessa vez foi diferente, Silvia chegou com o mesmo vestido insinuante, acompanhada de Letícia e ambas disseram querer uma consulta. Alexandre já previa o escândalo quando percebeu a calma de ambas.
Meio atônito com aquela situação e a leveza de ambas, Alexandre pergunta o que sentiam as duas então com muita delicadeza retiram de uma sacola um pacote.
- Doutor é aqui que dói!
Enquanto elas abrem aquele pacote ensopado de sangue, Alexandre percebe dois corações humanos perfeitamente retirados e frescos. Corações infantis. Naquele momento o mundo desaba sobre a cabeça de Alexandre que deixa de lado sua frieza, a rigidez e percebe que não foi o coração delas que doía, tampouco de seus pequeninos filhos, naquele momento o coração dele que doía quem sentiu a dor da frieza e da indiferença foi Alexandre ao perder em decorrência de suas atitudes seus bens mais valiosos.


Fernanda Bugai

2 comentários:

Anônimo disse...

Visceral, Fer. "Medo da sua covardia" diz tudo (e pra todo mundo). Tem um filme que o Robert McKee, um guru mundial da área de roteiro, mencionou em um curso que fiz em São Paulo que tem a ver com seu texto, chama-se "Diabolique", sobre uma esposa e uma amante muito parecidas com as mencionadas no seu texto, só que elas vão à forra de forma extrema. Acho que vale assistir, beijo.

Mario

Bugai Jr. disse...

Nossa mario! Nunca ouvi falar, fiquei feliz em copiar sem querer um guru do roteiro rsrsr.
Vou procurar assistir! Obrigada pekla dica!


Beijos
Fer