domingo, 28 de setembro de 2008

Na companhia das lobas



- Me passa os aspargos, por favor? – pede gentilmente Selma a Alice, respectivamente futura sogra e futura nora. Trocam um sorriso, olham com ternura quase maternal para seus cônjuges e voltam a se servir dos pratos especialmente preparados para embanquetá-los. O momento era de dupla reconciliação: Alice, depois de quatro anos de namoro e um de noivado resolvera deixar de ser hesitante para subir ao altar com Roberto, filho de Selma com Jonas, que, por sua vez, viviam uma espécie de re-casamento. Separados há seis anos, encontraram-se acidentalmente no aeroporto de Aruba em viagem de férias e, de uma conversa casual (e, a princípio, embaraçosa) de alguns poucos minutos, resolveram prosseguir juntos no passeio, hospedando-se no mesmo hotel. Do mesmo hotel para o mesmo apartamento foi questão apenas de duas margueritas com vista para o mar. Daí para a reconciliação, demandou somente de conversas no estilo “como era bom” e a confissão apaixonada de Jonas de que aquela meia dúzia de anos sozinho fora um hiato em sua vida. O jantar tomou então uma tripla função: celebrar o casamento de Alice e Roberto que aconteceria no próximo final de semana, promover o encontro entre sogra e nora, e marcar a reconciliação de Jonas e Selma, que em poucos dias viria em definitivo do Rio para morarem juntos de novo. Encerrada a refeição, as conversas caem em trivialidades e preparativos para o casamento, enquanto o quarteto saboreia delicadas doses de licor de tamarindo servido em taças de cristal chileno. Depois de risadas com recordações de casamentos não muito bem sucedidos, pai e filho enveredam por assuntos mais masculinos, dando a deixa para as duas mulheres se voluntariarem na retirada de pratos e copos da mesa. Distanciam-se da sala de jantar e, ao chegarem na cozinha, despejam os utensílios usados sobre a pia, virando-se uma para a outra em postura desafiadora.

- Agora, que estamos sozinhas, responda: o que você estava fazendo lá?

- Eu?! Era minha despedida de solteira, oras.

- Daquele jeito?

- Como daquele jeito?! Era um clube de mulheres, você queria o que?! Ei, eu é que pergunto, o que você estava fazendo lá?

- O mesmo que você, afinal é como se eu estivesse me casando de novo.

- Ahhhhh, mas então com você, tudo bem e comigo não? Que justiça é essa?!

- Garota, nós estamos nos conhecendo agora, quero deixar claro que eu não quero para o meu filho uma puta.

- O que?!

- O que você fez ontem não é de uma mulher de classe.

- Olha quem está falando! Você estava lá, esqueceu?

- Sim, mas não dancei e me esfreguei em todos os homens da casa.

- Claro, você deixou para fazer isso depois, que eu sei. Eu vi na hora que você saiu.

- Você não viu nada, você só está supondo. Mas eu, eu vi de verdade.

- Você viu uma mulher em despedida de solteira, foi uma coincidência estarmos as duas lá. Se eu soubesse quem era você...

- Teria ido em outra casa de strip, né?

- Escuta, é normal uma festinha dessas na véspera do casamento.

- O Roberto sabe?

- Ele também vai fazer uma despedida de solteiro, com certeza.

- A pergunta não foi essa.

- Ei, e o que você está me atacando. O Jonas sabe que você foi naquela casa ontem?

- Eu ainda não estou morando em definitivo com ele.

- Estamos iguais, não percebeu?

- Não. Porque sua atitude de ontem foi a de uma puta.

- Você saiu com dois que eu vi!

- Você bebeu todas, ficou naquela cadeirinha do palco mexendo no pau daqueles homens todos, um por um.

- Então você ter feito sem ninguém ver é melhor do que eu ter feito na frente de todo mundo, é isso?

- Eu só quero o melhor para o meu filho. E você não é bem aquilo que uma mãe possa considerar “o melhor”.

- Como se aquilo que você fez ontem fosse coisa da melhor mãe do mundo mesmo.

- Olha aqui, garota, você está na minha mão.

- Você também está na minha.

- Cuidado com o que você pensa em fazer.

- Ah, é? E o que você vai fazer? Vai me matar?

- Você não me conhece.

- Você também não me conhece.

A conversa é interrompida bruscamente ao ouvirem passos que se aproximam da cozinha. É Roberto, que entra com ar curioso, encontrando as duas mulheres de braços cruzados e agora se recompondo do combate verbal, esticando sorrisos de plástico e voltando a exercitar a secular arte da dissimulação. Ele se mostra feliz ao ver a futura esposa com a mãe que estava distante há tanto tempo, convidando-as a irem para a sala fazer um brinde. Chegando no recinto, Jonas explica às duas mulheres que estava ensinando o filho a fumar charuto, “para quando nascer o herdeiro”, equilibrando um Havana entre os dedos e sendo recriminado de brincadeira por Selma. O clima de paz aparente se restabelece. As conversas retomam o tom bem humorado. A falsa descontração reina. De repente, Roberto indaga sobre onde está a champagne. Jonas e as duas mulheres dão de ombros. Ele vai até a cozinha e encontra a bebida no caminho, na copa. Retorna com a garrafa sobre a bandeja de prata. Acha graça no fato de já estar aberta, pergunta quem o fez, mas nenhum dos presentes se manifesta. Serve as taças, pede a todos que se reúnam próximos à mesinha de centro e levantem o brinde. Pai e filho bebem, mas depois, sem entender, observam as duas mulheres, ainda com as taças estendidas no alto, olhando para o fundo da bebida e sem coragem de dar o primeiro gole.


Mario Lopes

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