domingo, 14 de junho de 2009

Macho que é macho vai na parada gay



Três amigos conversavam numa mesa de bar sobre suas aventuras de infância, gabando-se dos feitos corajosos que viveram desde os tempos de meninice. Alberto recordou da vez em que apostaram quem iria passar uma noite toda no cemitério, Everton emendou com o dia em que aceitaram o desafio de entrar no quintal da bruxa vingativa do bairro, e Sidney voltou a narrar o episódio em que perderam a virgindade no puteiro em que os homens da cidade juravam que as putas capavam com os dentes quem broxasse.

Enquanto as risadas feneciam após esgotarem o repertório de façanhas, Alberto indagou sobre o estilo de vida que adotavam no presente: os três casados, cultivando a barriga, sem novas aventuras, sem nada a comemorar ou acumular em fatos que gostariam de relembrar no futuro, estavam sendo os “sem-história”, e em nada mais lembravam os moleques e adolescentes sempre dispostos a tudo. Sidney concordou, mas também lembrou que aqueles eram tempos que não voltariam mais, foi uma fase, e que nem haveria mais desafio no mundo que pudessem encarar: já não tinham mais idade, há muito que invadiram o campo do proibido e provaram para si mesmos e para o mundo que não temiam nada, que eram macho-chos. Foi aí que Everton, até então acompanhando a história em hipnótico silêncio, contemplando as parcas borbulhas que se levantavam do fundo de seu copo de cerveja, resolveu se manifestar: disse que também concordava com Alberto, que se tornaram aventureiros aposentados, mas que ainda tinham, sim, de provar a si mesmos e ao mundo que eram de fato os macho-chos de outrora, e que, para isso, precisavam cruzar o último limite. Os dois colega ficaram em silencioso aguardo, esperando pela revelação daquele desafio que estava sendo proposto.

- Participar da parada gay.

Sidney e Alberto não se contiveram: enquanto o primeiro gargalhava achando tratar-se de uma galhofa do amigo, o outro conferia o fundo vermelho dos olhos de Everton, certificando-se se ele havia bebido demais. Sem se exaltar, Alberto revidou comentando desconcertado algo que para ele era mais do que óbvio: parada gay é coisa de... baitolas. Mas então veio a justificativa:

- Não, tem de ser muito macho para ir na parada gay. Ir em jogo de futebol no estádio, em boteco, em zona, isso qualquer projeto de macho faz. Comer bolinho de carne vencido, andar na Ipiranga de madrugada, beber whisky batizado com metanol em boate, isso tudo é coisa de frouxo. Se somos machos e não temos medo de nada, este sim é o desafio dos desafios. Vamos ficar entre três milhões e meio de boiolas. Vamos cruzar a Paulista de ponta a ponta no meio daquele exército de queima-roscas. Vocês têm medo?

A dupla se entreolhou sem saber o que responder. Acharam graça assegurando que se garantiam, que nunca nem ao menos tiveram amigo gay e não seria naquele momento que iriam ter medo do “inimigo”. Mesmo que em uma horda de milhões devidamente aparamentados em seus saltos plataforma e montados em poderosos trios elétricos que faziam tremer os Portinari do Masp. Sidney apenas sugeriu que fizessem antes uma estratégia para que a empreitada fosse bem planejada, quando então Everton o interrompeu dizendo que não haveria planejamento porranenhuma, que a parada gay estava acontecendo naquele exato momento e eles deveriam se deslocar para lá sem demora. Alberto fitou seu Orient: 15h15 daquele domingo; depois correu os olhos pela mesa repleta de cervejas e alertou que era perigoso.

- Tá com medo?

Diante da indagação de Everton, Alberto apenas se apressou em beber numa única talagada o que restara de cerveja em seu copo, limpando a boca com as costas da mão e levantando-se pronto para ir à luta.

Meia hora depois, estavam os três em meio à monumental muvuca gay, a maior do mundo. Caminhavam de peito estufado, sem dar trela ao assédio, brincadeiras e provocações. Cruzavam dragqueens colossalmente montadas sem retocar o olhar de afronta. Não abriam a boca, apenas seguiam em frente numa marcha silenciosa que contrastava com os anababescos decibéis de música eletrônica despejados pelos carros de som. Não havia chuva de purpurina, serpentina ou confete que os afetasse. Apenas desviavam o olhar de beijos na boca e outras cenas que consideravam excessivamente repulsivas, mesmo para seus resistentes estômagos de macho-chos.

Como a cerveja acumulada era muita, a bexiga de Everton pediu arrego. Não viu por perto nem banheiros químicos nem bares de portas abertas. Teve de pedir informações à única figura aparentemente hetero que encontrara no caminho: um policial (não, não era um clone do Vilage People como pensara inicialmente). Acabou sabendo pelo homem da lei de que dentro dos trios elétricos havia instalações luxuosas, contendo inclusive suítes com sanitários. Macho que é macho mija na rua, alegaram os outros dois. Mas ele não poderia mijar impunemente no meio de milhões de pessoas, corria até o risco de ser linchado caso o jato atingisse uma meia arrastão desavisada. Ouvira que bichas estocavam giletes nas gengivas, e ele presava muito por segu pingolim para correr um risco desses. Sem aguentar mais, correu para dentro de um dos trios elétricos enquanto seus amigos montaram guarda na porta, de braços cruzados e pose de maus. Minutos depois, Everton surge no alto do imenso veículo, vestido de sunga e asas de anjinho, ladeado por dois go-go boys esmerilhados em suas musculaturas. Everton e Alberto ficaram contemplando-o lá embaixo sem entender, boquiabertos com a cena do amigo dançando e esgueirando-se pelo corpo dos saradões. Everton lhes lançou um olhar gatiado e um beijo, num misto de ternura e despedida. Mesmo sem entender, mas já conformados pela baixa, Alberto e Sidney seguiram pela procissão de pederastia.

A dupla havia entendido que aquela era uma cilada, só podia, era o Everton querendo assumir e sem saber como, trazendo os dois colegas para dentro do purgatório luxuriante do qual fazia parte. Mas macho que é macho não arreda de um desafio, portanto resolveram prosseguir até o fim do trajeto, mesmo porque aquela era a direção de suas casas. Já haviam cruzado meia passeata quando veio em direção aos dois amigos uma serpente chinesa gay: várias bichas fazendo trenzinho debaixo de uma lona multicolorida, tendo à frente uma cabeça de boneco gigante que lembrava um leão excessivamente maquiado. Aos poucos foram sendo cercados pelo estranho brinquedo coletivo. Ficaram em posição de alerta, virados de costas um para o outro e já se preparando para o confronto. As voltas dadas pela serpente, aliadas ao mantra hipnótico do poperô, lhes davam uma sensação de vertingem progressiva. Quando Sidney olhou para trás, Alberto havia sumido. Gritou pelo nome do amigo sem obter resposta. Viu então a serpente se afastando e, ao final dela, alguém levantar a lona: era Alberto, agora com o rosto borrado de uma maquiagem mal feita, agarrado na cintura do parceiro à sua frente e mandando um beijo de adeus ao amigo. Alberto era agora o rabo da serpente.

Solitário em meio à multidão de bibas, Sidney ficou raciocinando com sinapses relâmpago para tentar entender o que acontecera. Deduziu que aquela era uma cilada de Everton e Alberto, claro, os dois queriam trazê-lo para aquele universos de prazeres bizarros mas sem saber como convidá-lo. “Aqueles dois nunca me enganaram”, pensou. Agora já associava a cumplicidade da dupla na infância como puro troca-troca. Sidney passou a acelerar o passo. Quando se deu conta já estava correndo. Ou melhor, tentando correr, pois seus passos eram sufocados pelo contingente de gays que brotava da terra aos milhões. Já não conseguia mais passar, estava preso enquanto o touch-touch martelava seus tímpanos. Seu rosto agora era pressionado entre tetas fartas de silicone e espartilhos lantejolados. Não tinha para onde fugir. Aos poucos era sufocado. Aos poucos era tragado e absorvido. Não havia escapatória.




22h47, Avenida Paulista. Os últimos remanescentes da passeata já dão traços de fraquejar e levantar dos meio-fios para pegar o rumo de casa. No chão, um mar e purpurina, leques, adereços e preservativos. Um tampo do bueiro se abre e Sidney vai saindo aos poucos de dentro dele, ainda trêmulo e com o olhar ressabiado, fazendo uma varredura visual de toda a Paulista. Ele fica em pé, limpa-se, batendo os braços para tirar a sujeira daquele bueiro fétido. De repente, alguém põe a mão em seu ombro e ele se vira. É a “bruxa vingativa do bairro”, a mesma cujo quintal o trio invadira na infância.


Mario Lopes

11 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Professor , Mário :
Boa - noite !
Excelente texto !
Um luxo !
Parabéns !

Mas o que será que a bruxa fez com o rapaz ?!
Tenha uma excelente semana !
Com carinho ,
Luciana do Rocio .

Anônimo disse...

Mistéééééééééééério. rs
Beijo, Luciana, e obrigado pelas palavras.

Mario

Unknown disse...

Mario, só você mesmo.
Rachei de rir!
... e uma perguntinha que não quer calar: por acaso você teria coragem de encarar esse desafio, hein? hauhauha
Beijos!´

Acabei de chegar da Paulista e olha, a festa estava ex-ce-len-te. rs

Anônimo disse...

hehehe Eu já encarei este desafio, espertinha. Só que fui acompanhado de duas amigas, uma de cada lado. Precaução que os dois manés da história não tiveram a esperteza de adotar. Mas com elas ou sem elas eu me garanto do mesmo jeito. ;-)
Eu fui quando teve um seminário de Aikido aí em São Paulo, perto da Paulista, e as minhas duas amigas queriam porque queriam ir na parada. Fomos de quimono e tudo. Felizmente eu nunca pulei em quintal de bruxa vingativa na minha infância. hehe
Beijo, Mila.

Mario

Anônimo disse...

Mario, todos do seu circulo de amizade sabem ou desconfiam que você é Homossexual mas não quer assumir, por isso você adora falar Macho- cho - cho sempre coisa que você não é e nos sabemos disso . Se assuma e seja feliz.

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
Essa anônimA é uma piada mesmo. Se eu fosse, não teria nada demais. Já disse, ser gay não é nenhum defeito de caráter. Como também já disse que me envergonharia, sim, se fosse um covarde. E covardia, todos sabem, é coisa de gente que se esconde atrás do anonimato. ;-)
Beijo, anonimA (que eu sei bem quem é, la-ra-la-la).

Mario

Anônimo disse...

Se você sabe quem eu sou, então sabe muito bem o que falei é a mais pura verdade,
Mario Sai do Armario e se assuma minha flor, não fique se fazendo de macho cho cho coisa que eu sei e muitos amigos nossos sabem que você não é .
Antes ser anonima do que finger ser o que não é com medo de se assumir. Liberte essa franga em você e grite para todas as desaforadas eu sou Gay e amo os homens so assim você sera feliz por completo minha querida .

Anônimo disse...

Ui, que histeria. hehehe
Ei, primeiramente arruma sua ortografia que continua péssima, depois vem conversar comigo, porque eu não sei se você é mais ignorante nos aspectos morais ou na língua portuguesa. ;-)
Beijo.

Mario

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Achava interessante esse blog apesar dos assuntos serem praticamente todos voltados ao lado Sexual - Acho exagero - mas OK, é a proposta
Quanto a brigas pessoais recomendo que o dono ou moderador delete esses comentários superficiais a respeito da sexualidade de um ou outro, afinal ninguem tem nada a ver com isso.
Cabe a vc(moderador) manter o nivel da publicação para que os leitores não se sintam ofendidos com discussões fúteis.Afinal para isso existem emails pessoais, telefonemas anonimos ou qualquer outro artificio para manter a discussão e assuntos pendentes entre os interessados.
Gostaria de pedir então...remova esses comentários ridiculos tanto de um quanto do outro, para manter o interesse de quem gosta de uma boa crônica.
Mantenho o anonimato porque ninguem me conhece...senão meidentificaria com certeza.

Anônimo disse...

Eu excluí um comentário porque ofendia o blog e não a minha pessoa. E, claro, como a autora do comentário é uma pessoa de baixíssimo nível, a ofensa estava no patamar dela, ou seja, nada que se aproveite.
Quanto ao anônimo que comentou por último, vamos lá:
Superpertinente tudo o que você disse. Só gostaria de contra-argumentar em alguns aspectos:
Sobre a questão de o blog tratar muito de assuntos relativos a sexo, peço que reveja os posts das últimas duas semanas: temos 3 textos relativos a sexo contra 11 referentes a outros temas. A não ser que você considere sexual um post como o da Luciana sobre o "dia dos ficantes". Mesmo os 3 de sexo não abordam a questão de forma direta - o meu mesmo, por exemplo, não dá para ser classificado como um texto sobre sexo (e mesmo assim eu o coloquei entre os 3 que, teoricamente, versam sobre o tema). Outra coisa: escrevemos para nós mas também para as leitoras e leitores, obviamente, e a enquete disponibilizada no próprio blog dá conta de que 70% dos visitantes querem ver esse tema. Ou seja, iremos tratá-lo, sim, com maior frequência. Sem apelação e buscando conteúdos e sub-temas que sejam pertinentes. A proposta do blog, você bem demonstrou saber, é a de não ter papas na língua, é ser descontraído e sem assuntos tabu. Por isso se chama Desaforadas.
Quanto às brigas pessoais, você está coberta de razão. O problema é que a autora das ofensas é covarde demais e superficial demais, como você própria constatou. Claro que eu prefiro discutir no tete-a-tete, e sei quem é a figura. Também é lógico que ela não vai assumir, porque já escreveu muita baixaria e desfilou uma fileira de incorreções gramaticais constrangedoras, não vai ser agora que ela irá dizer "fui eu". E realmente ninguém tem nada a ver, nem mesmo ela própria.
Só tem uma coisa que não concordo contigo: a de manter-se anônima. Agradecerei de montão se você revelar seu nome. Se ninguém a conhece, tanto melhor. Até porque gostaria de conhecê-la. Você prestou um serviço ao blog com suas colocações. Obrigado.

Mario