sexta-feira, 16 de abril de 2010

Doce Veneno Azedo


Mulher gosta mesmo é de cafajeste. Eu falo isso todo dia pro meu filho, pra ele já ir aprendendo cedo. A mãe dele, além de ficar braba, ri de mim, achando que sou louco por falar com um bebê de 7 meses. Eu falo que louca é ela, por ter tido um filho com um cara doido como eu que fala com um neném recém nascido.
No fundo, nós dois sabemos que nem nós, nem ninguém, é assim tão normal quanto imagina.
Eu, por exemplo, que sempre fui um cara comum, às vezes me pegava e ainda me pego fazendo coisas nem tão convencionais para os padrões, ou melhor, meus padrões.
Quando eu era jovem e tinha lá meus 20, 25 anos, tratei de fazer dinheiro, comprar um carrinho legal e investir em roupas e penteados modernos, para que a mulherada investisse em mim.
Além de ter de trabalhar duro para ficar elegante e sensual, eu ainda tinha que ter paciência e cautela com essas minhas “clientes”. Paciência, porque sabe como é... até a mulher mais linda, inteligente e engraçada do mundo, tem os seus tiques e suas TPM´s. Agora imagine o pacotemulherchata completo, em uma mulher horrorosa. E cautela, porque elas costumam ser histéricas e ciumentas, e seriam capazes de me matar se soubessem das outras.
Pois é, não era fácil, mas eu sabia que tinha de resistir.
Claro que, se não valesse a pena, eu não estava lá, me submetendo a esse papel humilhante de ser escravizado por uma mulher. Mas confesso que não foram poucas às vezes em que pensei em largar essa vida e procurar algo melhor para fazer, obviamente dentro das minhas possibilidades, e ainda mais importante que isso, das minhas habilidades.
Qualquer um que me conhecesse saberia que eu não nasci pra ser um cara certinho, desses de carteira assinada e batendo cartão dia após dia. Eu nasci pra ser bixeiro, cafetão, gigolô... quem sabe até comerciante no mercado negro, ou um traficantezinho classe C, pra não exagerar. Mas ó, tem coisa que sempre me neguei a fazer, tipo virar político. Isso nem pensar. Sou desonesto, mas nem tanto. Além disso, querendo ou não eu tenho meu trabalhinho diário, corro risco de vida diariamente, agüento o pão que o diabo amassou. Esse é meu trabalho, e mereço meu salário no(s) fim(ns) do dia.
Podia ser perigoso, difícil e tudo o mais, mas eu não posso negar que sempre adorei esse meu ofício. Tenho muita sorte de ter nascido com esse dom, afinal, não basta ter a beleza e o charme, é preciso ser persuasivo, instigante, sedutor e... cara de pau. Se bem que isso não deve ser problema pra nenhum homem.
Pra mim pelo menos nunca foi. Eu fisgava a presa, e já na primeira semana, soltava um euteamo, cantado baixinho, suave, quente no ouvido da moça. Essa era a parte mais difícil, em que eu controlava meu corpo para parecer que o suor e as mãos trêmulas eram de tesão, e não de nervosismo.
E no fim, tudo dava certo. Eu passava meses com a moça, e quando achava que já não compensava mais, simplesmente “abria“ o jogo com aqueles papinhos de: “o problema não é você, sou eu”, ou ainda “você merece alguém melhor para te amar”, e blá blá.
Elas saiam magoadas, mas nunca ao ponto de especularem a minha conta, ou querer presentes de volta. Eu tinha muito cuidado em me certificar de que a mágoa seria exclusivamente emocional, e nunca cifronada.
Mas, como todo super herói tem seu momento de conflito, eu não fui o primeiro a fugir a regra.
Em uma das raras vezes em que estava sozinho, procurando novo “emprego”, conheci a Vera. Eu já estava um pouco alterado quando ela chegou, usando mini saia e blusa decotada, e me ofereceu um drink. O drink multiplicou-se em tantos outros que perdi a conta, e o resultado da equação foi eu ter acordado, deitado em sua cama, às 14 horas do dia seguinte.
É claro que acordei assustado e surpreso, mas o medo só veio depois de uma longa semana que ela passou no meu apartamento. Toda dengosa, ela sussurrou com voz aveludada, quase cantando:
- Euuutiamooo.
Mas o medo ainda veio em seguida, depois que eu a escutei, e, além de acreditar em suas palavras, me senti feliz como nunca.
Não podia mais viver longe dela, e então a convidei para ir morar comigo, em meu apartamento. Ela aceitou de prontidão, e em menos de duas horas, suas roupas já preenchiam meus armários e o banheiro cheirava a perfume caro.
Nessa noite, ela me convidou para ir a um motel comemorar nossa junção, e 9 meses depois, era oficial: eu me tornara um escravo de uma gigoloa... ou gigoléia, tanto faz.
Preciso ir, o neném ta chorando, e, a Vera deve ter... bem, não sei.
Preciso ir.



Letícia Mueller

Um comentário:

Karime disse...

A-M-E-I!
Como sempre!