sexta-feira, 9 de abril de 2010

Fogueira



- Só mais 5 minutos turma!
Lola, compenetrada na sua missão, mal ouvia o que a professora dizia. Segurava os lápis de cor com força, só para ter certeza de que sua mão não a trairia com um movimento em falso. Os olhos, quase grudados no papel, há 10 minutos não miravam outra coisa que não fosse o fogo ardente, que de um traço amarelo e reto, virou um misto de cores quentes e flamejantes de crescimento imaginavelmente infinito. Lola criava faíscas quentíssimas que depois se uniam ao grande fogaréu com tanta rapidez, que teve de diminuir seu ritmo para que a folha não acabasse antes de ter podido ao menos desfrutar do calor que criava. O que queria mesmo era juntar um calhamaço de folhas para poder fazer uma fogueira de São João, igual a que tinha na festa junina do colégio.
Mas até que se contentava com sua pequena fogueira de piquenique. Pelo menos poderia ser levada no bolso, para qualquer lugar, a qualquer hora, diferente do que seria a fogueira de São João. Lola não conseguia imaginar como poderia levar algo tão grande junto de si, mas sabia que caso conseguisse fabricá-lo, daria um jeito. O transporte definitivamente não seria o problema.
O grande empecilho era o tempo e a professora. Todos os dias, ela permitia apenas 15 minutos de pintura e desenho. Nem um segundo a mais, nem um segundo a menos. Lola, de início, achou que o tempo disponível era mais do que suficiente para fazer o que queria, mas foi só executando o trabalho que viu que, com seus 7 anos de idade, até poderia fazer o mesmo que alguém já com seus 12 anos, mas levaria um pouco mais de tempo.
Se ao menos a professora lhe deixasse levar os lápis de cor para a casa... Mas ela nada podia fazer. Eram as normas da escola.
Então, Lola empenhou-se em acabar a fogueira o quanto antes. Como isso pra ela era tarefa prazerosa, e já era de sua índole a dedicação, deixou os seus desenhos inacabados de florzinhas e casinhas de lado e dedicou totalmente os seus 15 minutos diários à sua fogueira por algum tempo.
Até a professora, sempre tão apática e difícil de impressionar, olhava estupefata o desenho de Lola e sua dedicação em deixá-lo perfeito. A combinação de cores, a forma das chamas, o sombreamento, a disposição, tudo estava em tal sincronia que qualquer um que olhasse o papel, mesmo que de relance, ficaria assustado acreditando que ali havia um pequeno incêndio.
Se o desenho já impressionava, imagine então quando descobriam quem fora a sua criadora.
Mas Lola, compenetrada, nem notou os olhares impressionados da professora, e nem de mais ninguém, mesmo porquê fazia questão de colocar o desenho, após o expediente diário, no meio de seu maior caderno, seguramente guardado, para evitar qualquer dano e poder levá-lo para a casa em segurança.
Os dias se passaram lentamente, e Lola continuava trabalhando 15 minutos diariamente, mesmo com a chegada do inverno, quando suas mãos moviam-se com dificuldade e Lola mal sentia as pontas do dedo.
E foi justamente vestida com um velho casaco puído que sua mãe já usava desde quando menina, meias grossas remendadas por baixo do tênis rasgado e uma calça de veludo larguíssima feita para um homem 3 vezes maior que ela, que Lola acabou o seu desenho.
Extasiada, ela mal podia se conter ao olhar o seu trabalho finalizado. Deu os últimos retoques, e sem pedir licença, saiu correndo da sala para ir direto para a casa.
A professora fingiu nem reparar.
Atravessou todo o trajeto da escola para sua casa correndo com toda a sua força e contra o vento gelado, sem olhar para trás e esbarrando aonde quer que fosse que aparecesse à sua frente.
Assim que chegou em casa, procurou pelo irmão e encontrou-o agachado no vão da porta, tiritando de frio, com os lábios roxos e rachados.
Abraçou o irmão, dando-lhe o casaco que usava, tirou do bolso da calça o desenho que há tanto tempo vinha trabalhando e deixo-o sobre o colo do menino.
Lentamente, o corpo do casal de irmãos foi relaxando, até que pegaram no sono.
De dentro da casa, se alguém além de Lola e seu irmão ali morasse, resolvesse olhar para a rua, nada veria.
A janela, embaçada, chorava ao ver a cena.





Letícia Mueller

2 comentários:

Bruno Cesar Barreto disse...

Lindo texto...
me emocionei
Parabéns meu amor

Karime disse...

Lindo, Le! Lindo mesmo!

Beijão!