sexta-feira, 23 de julho de 2010

Entrada Proibida


Gabriela sofreu um acidente de carro, quebrou o pescoço e morreu na hora. Um segundo depois, ela via o que todos os vivos passavam a vida a imaginar. Uma imensidão branca, cujos olhos não eram capazes de abraçar por completo, que de tão suave e imponente, fizeram com que Gabriela quase se esquecesse do porque estava ali. Por um instante, lembrou –se daqueles que deixara em vida, mas mal teve tempo de se entristecer. Estava no paraíso, o melhor lugar para se viver, onde a paz reinava e todos os sonhos eram realizados.
Ela imaginava que cheiro teriam as flores do seu novo jardim, que cores teriam seu quarto, que som ouviria de sua casa, como seria a voz de seus vizinhos e o tom do canto dos passáros. Durante seus devaneios, foi interrompida por um arcanjo corpulento e de voz grossa:
- Olá menina, posso ajudá-la?
- Eu quero saber aonde fica a minha casa.
O arcanjo pegou-a pela mão e apontou uma enorme fila de pessoas, bem ao longe, quase fora do alcance de sua visão.
- Pergunte por lá.
Depois de andar exaustivamente, Gabriela finalmente chegou na enorme fila e teve de esperar até ser atendida.
Eram centenas e centenas de pessoas de todos os tipos, várias falando línguas estranhas que pareciam inventadas . Dentre brabos, irritados, impacientes, felizes e serenos, o que mais se notava eram suas feições de surpresa, curiosidade e encantamento com o que viam do paraíso.
Após uma longa espera, Gabriela foi finalmente atendida.
- Oi, é...hum...onde é minha casa?
Sem nem ao menos erguer os olhos da tela de computador que tinha a sua frente, a atendente disse:
- Gabriela, não é? Bem, deixa eu te explicar fofinha. Primeiro, aqui não é o paraíso. Segundo, você não tem uma casa por essas redondezas e terceiro, tem mais alguma dúvida?
- Se isso não é o paraíso, então o que é?
- Não é nada, é só uma ilusão. Se você tentar passear por ai, vai ver que aquela imensidão toda pra aqueles lados de lá, é só uma pintura muito bem feita.
- Como assim não é nada? O que eu tenho que fazer então, pra onde eu vou?
- Aaah, aí são outros quinhentos. Pelo jeito você não leu nenhum manual desde que chegou aqui, disse a atendente, mau humorada.
- Que manual?
- Aaah, esquece. Seguinte, você tem três opções. A primeira, e a mais recomendável, fica por aqui esperando até que o cara lá em cima autorize a passagem. A segun...
Gabriela interrompe assustada:
- Esse cara lá em cima que você ta falando, é Deus? Que historia é essa de autorizar a passagem? Eu tenho direito a ir pro paraíso, SIM SENHOR.
Gabriela olha para cima, como se falasse com o próprio Deus.
- Eu sei minha filha, você e todo o time do Flamengo. Sua segunda opção é voltar para Terra e ficar aterrorizando todo mundo por lá, e a tercei...
- Porque diabos eu ia querer aterrorizar as pessoas, hein?
- ISSO! A terceira opção tem tudo a ver com o diabo. Como eu ia dizendo, sua terceira opção é ir pro inferno e ficar por lá, perto dos capetinhas. Viu que legal?
A atendente bate palmas e fala com Gabriela como se ela tivesse 6 anos de idade.
- Tá, e se eu tenho a opção de ir pro inferno, porque eu não tenho a opção de ir pro paraíso?
-Normas da casa.
A atendente tornou-se novamente seca, e voltou a olhar para a tela do computador.
- Mas porque essas normas? EU nunca fiz nada de mal a ninguém, a minha vida inteirinha... eu já...eu já...dei chocolate pro meu irmão,
- Depois de já ter comido uma barra e meia, até eu daria um mísero pedaço, disse a atendente.
- E..e..eu já...fui no hospital contar historinhas pros velhinhos, e ...e todo ano eu doava roupa e brinquedo pra criança pobre, e...
- Olha Gabriela, o negócio é o seguinte. Isso tudo que você diz ai não importa. O Conselho decidiu que ninguém, absolutamente ninguém, merece entrar e permanecer no paraíso. E ponto final.
- Que? Mas então não seria justo eu ter pelo menos continuado viva? Olha o tipo das minhas opções, ficar aqui, voltar como um fantasma pra Terra ou ser a dama de companhia do diabo.
- Sâo normas da casa, não adianta descontar em mim.
- Ai, e o que eu faço agora?
- Eu já disse o que é mais recomendado... fica por aqui, até que Ele mude de idéia.
- Fico por aqui aonde? Tem aonde eu dormir, tomar banho, ir ao banheiro, comer, e tudo o mais?
- Você não vai ter que se preocupar com isso aqui, Gabriela.
- Tá...então pra onde eu vou?
- Tá vendo aquela fila lá ó, lá longe?
- Lá longe? Bem longe, lá?
- Isso, isso mesmo. Lá.. vai pra lá e aguarda ser atendida.
- Ser atendida de novo? Por quem? Porque se for tipo você, eu to pensando até em ir lá pro inferno cozinhar pro Diabo.
-Que eu o que, quem vai te atender é Ele.
- Deus?
- Isso...Deus. Agora vai logo, que a fila tá grande.
Gabriela sai correndo para garantir logo seu lugar, mas a medida que vai se aproximando e vê o tamanho colossal da fila, ela vai diminuindo o ritmo. Deveriam ter centenas de milhares de pessoas esperando para serem atendidas, e pedindo algo que nem ela mesma sabia o que era.
Gabriela pensou:
- Tudo isso pra só, TALVEZ, conseguir entrar no paraíso?Ah, é demais para mim. E vai que lá nem é tudo isso que dizem? Chega, não vou esperar uma eternidade pra uma incerteza.
Gabriela senta em posição de índio no chão alvo e fofo do falso do paraíso.
- Vou ficar aqui, e ai de alguém que tente me tirar do meu cantinho.
- Ela disse isso mesmo, que ninguém merece entrar no paraíso? Mulher louca, deve ser assistente do diabo. Pô, Deus, nem pra arranjar uns funcionários autênticos, tá ruim hein?
- Que que eu vou ficar fazendo aqui até aquela galera armar uma rebelião, e quebrar os portões do paraíso, hein? Mas será que alguém sabe aonde fica a entrada do paraíso, e se tem portão lá? Porque se tiver, facilita pra caramba...
- Será que alguém aqui já teve essa idéia. Boa, vou tentar armar essa rebelião.
Ela levanta-se, e depois de muito tempo, alcança os últimos da fila. Aproxima-se de uma senhora de idade, pequena e rechonchuda:
- Uma rebelião? Pra que menininha, é só ter paciência. E que maldade é essa, você não acha que Deus não merece ver violência na sua própria casa, hein?
- Rebelião é modo de dizer minha senhora. Eu só acho que nós todos deveríamos nos unir, e falar juntos em uma só voz. Até pra acabar com essa burocracia toda.
Gabriela começa a reunir algumas pessoas, mas a maioria resiste a se juntar a ela.
- Onde já se viu, querer protestar a vontade divina.
- Menina louca, deveria ter ido logo pro inferno.
- Haha, é uma a menos no paraíso, certeza. Sobra mais lugar pra mim.
Os primeiros da fila comentavam entre si:
- Tava demorando alguém vir querer roubar nosso lugar.
- Tava mesmo, uns 5 anos aqui. Ninguém merece, não estamos livre de desonestidade nem na Sua presença.
- Nem...
De repente, Deus surge imponente por detrás das cortinas. Medindo mais que 5 metros de altura, sua luz chegava a arder a vista. Antes de ouvir qualquer pedido de oração, ele diz:
- Meus filhos, o Conselho decidiu que a fila deve mudar de local. Vocês estão vendo lá ó? Lá longe? Perto daquele pontinho preto?
Antes mesmo de apontar, a multidão já saía correndo em direção a tal nova fila.



Letícia Mueller

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