segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Semana de tema livre

Quem Tem Medo Do Lobo Mau?




Qual a última lembrança que tu tens da tua avó?
O gostinho de doce caseiro feito com carinho especialmente para ti? O almoço de domingo com a família reunida ao redor da mesa? O cafuné com a mão macia, enquanto tu olhavas televisão deitado no colo dela? As histórias que ela contava enquanto te mostrava as fotos do passado? Aaah, ela está viva ainda e faz tudo isso? Permita-me te invejar.
Uma amiga, que já foi coadjuvante de vários textos aqui, foi morar no Ceará após formar-se no curso técnico de curtimento de couros há muitos anos. Estava estagiando em uma cidadezinha tão fim de mundo que lá não existia Coca-Cola. É. Comentou com a família essa “tragédia” e, quando voltou do estágio, em uma visita à casa de sua avozinha, uma garrafa de dois litros de Coca-Cola estava esperando por ela. Que amor, não?
Tenho boas lembranças como as que eu mencionei acima, mas de minha bisavó, que morreu em 2004 aos noventa e tantos anos. Ela sim, fazia um bolo de uva fofinho que ficava todo manchado do suco da fruta, uma delícia. Arroz doce, ambrosia, doce de abóbora, licor... Cuidava de mim e da minha irmã quando meus pais precisavam viajar ou quando minha mãe ficava sem empregada e precisava de alguém em tempo integral para cuidar de nós, pois trabalhava o dia inteiro até tarde da noite. Ia de ônibus de Porto Alegre até Novo Hamburgo bem feliz e faceira para cuidar da gente. Tinha mania de assustar eu e minha irmã fazendo “buuu!”. Um dia, ela estava cozinhando, apareci por trás dela e fiz “buuu!” . Minha bisa estava com uma frigideira na mão (vazia, graças a Deus), virou-se num susto e deu com a frigideira na minha cabeça. Ao invés de chorar, quase morri de tanto de rir.
Quando ela nos visitava, às vezes dormia no quarto comigo e com minha irmã. À noite, durante o sono, “tomava chá” com amigas de juventude que já eram falecidas. Falava com as “meninas”, perguntava a elas quantas colherinhas de açúcar elas queriam no chá e se o bolo de cenoura estava bom.
Não conheci minha avó paterna e meu avô paterno morreu quando eu tinha nove anos. Dele tenho boas lembranças. Mas conheci meus avós maternos, pérolas do relacionamento familiar e prato cheio para seções e seções de terapia freudiana.
Lembro de uma das poucas visitas que minha avó fez à nossa casa com meu avô quando ele ainda estava vivo. Fui recebê-los na porta e perguntei: “Tudo bem, dinda?” (sim, minha querida mãe fez o favor de nomeá-la minha madrinha, ainda por cima). Ela respondeu: “Estou com dor de garganta.” Perguntei novamente: “Ué... por que será?”, “De carregar esta mala pesada”, ela respondeu.
Quando era adolescente, meus pais viajaram e ela e meu avô passaram uns dias comigo e com minha irmã. Nossa empregada fez uma nega-maluca maravilhosa para lancharmos à tarde. Convidei meu namoradinho na época para passar a tarde conosco e em um dado momento, peguei-a comentando baixinho com meu avô que o fulaninho já tinha comido três pedaços de nega-maluca! Vejam só que crime horrendo.
Meu avô também não era um expert em relacionamento, mas não o culpo considerando a mulher que tinha... Em um dos aniversários da minha bisavó, levamos uma torta e quitutes para passar a tarde com eles. Colocamos a mesa, os quitutes e fomos tomar um gostoso café da tarde. Chamei meu avô para sentar conosco, quando ouço da minha avó: “Não... ele come depois, não precisa sentar agora.” Nossa! Fiquei muito p da vida e fiz um banzé. Lógico que ele sentaria conosco, onde já se viu? Quando ele adoeceu de câncer, negou-se a fazer quimoterapia e morreu um ou dois anos depois.
Quando meu tio era criança, ganhou um chinelo de couro do padrinho. Está certo que um chinelo de couro não é exatamente o presente que uma criança gostaria de ganhar... Mas minha avó mandou meu tio devolver o presente porque “aquilo não era presente que se desse pra um afilhado”. Desnecessário dizer que meu tio e o padrinho ficaram sem se falar por muitos anos.
Recentemente, em um almoço com meus pais, honrados com a presença generosa da minha avó, ela nos revelou que tinha colocado fora todas as fotos do casamento com meu avô juntamente com todas as outras fotos da família, logo depois que ele morreu. Meu pai, enlouqueceu e perguntou qual o motivo da atitude dela, pois afinal de contas ela tinha se desfeito de todo o registro da história da própria família. “Ocupava muito espaço!”, ela respondeu.
Quando minha bisavó adoeceu, perguntei para ela: “Dinda, quando a bisa morrer, tu vais fazer doce para nós, né?” Ela respondeu amorosamente: “Ah, eu não. Peçam pra mãe de vocês fazer ou peçam pra bisa ensinar”.
Dos filhos do meu tio, ela não sabe o nome até hoje. Meu primo tem 25 anos e minha prima 20. Minha sobrinha que nasceu recentemente, ela não tem a menor idéia de como se chama. Meu nome e da minha irmã, ela confunde até hoje.
Ééé... não é mole, gente.
Estes dias, meu tio veio almoçar conosco. Sentou-se na sacada do apartamento dos meus pais para fumar. Minha avó estava na cozinha, fazendo companhia para minha mãe. Em um dado momento, minha mãe sugeriu: “Mamãe, por que tu não vais sentar com teu filho lá na sacada e conversar um pouco com ele ? Faz muito tempo que vocês não se vêem.” Resposta carinhosa de mãe dedicada que não vê o filho há meses: “Conversar o que com ele?”, O que mais ela poderia ter respondido?
Sabe a história da Chapeuzinho Vermelho e do Lobo Mau? Pois é. Digamos que se eu fosse a Chapeuzinho, não pediria socorro para o lenhador, deixaria a vovozinha dentro da barriga do Lobo Mau e daria uma boa grana a ele para que a “mantivesse lá dentro” por muito tempo.


Karime Abrão

7 comentários:

Anônimo disse...

Tadinha da velhinha, Ka. OK que realmente sua avó impressiona, mas eu te aconselho a assistir Gran Torino e Melhor É Impossível que ajudam a gente a entender gente insuportável (com todo respeito à senhora sua avó). Acredite, ela não gosta de ser assim. E você é a personagem que pode mudá-la.
Beijo.

Mario

Karime disse...

Ela não se acha insuportavel e eu tenho mais o que fazer da minha vida do que pensar em mudá-la, né? Vamo combiná! Quer ela prá ti? Deixo ela uns dias aí no teu ap e tu passeia no Jardim Botanico com ela. lalalalala

Unknown disse...

Ô Ka, pega leve aí. Tadinha. rs
Beijos!

Unknown disse...

Oi Karime!!!!
Esse post foi revelador!!!! ahahahah. Parece brincadeira, mas a vida toda me senti diferente por não sentir nenhum tipo de carinho pela minha avó, aliás, eu sempre soube o motivo, mas as pessoas sempre me fizeram sentir desse jeito qdo ia falar dela e me referia como " a mãe do meu pai" e não como vovó, vozinha, ou tantos outros apelidos carinhosos que as avós ganham de seus netos!!!
Um dia deveríamos falar mais sobre isso, pois tenho cada história da bruxa malvada, que dava pra escrever um filme de terror!!!
Aliás, escrevi no passado acima, mas ela está bem viva, pois como diz o próprio filho dela, vaso ruim não quebra!
Natacha Gobbo

natacha disse...

Oi Karime!!!!
Esse post foi revelador!!!! ahahahah. Parece brincadeira, mas a vida toda me senti diferente por não sentir nenhum tipo de carinho pela minha avó, aliás, eu sempre soube o motivo, mas as pessoas sempre me fizeram sentir desse jeito qdo ia falar dela e me referia como " a mãe do meu pai" e não como vovó, vozinha, ou tantos outros apelidos carinhosos que as avós ganham de seus netos!!!
Um dia deveríamos falar mais sobre isso, pois tenho cada história da bruxa malvada, que dava pra escrever um filme de terror!!!
Aliás, escrevi no passado acima, mas ela está bem viva, pois como diz o próprio filho dela, vaso ruim não quebra!
Natacha Gobbo

Anônimo disse...

Essa avó é um prato cheio para um psiquiatra. O ruim da história é que, aparentemente, ela vai viver mais uns vinte anos. Caduca, mas vai viver.
Beijo,
Pai

Anônimo disse...

Bem-vinda ao time. Natacha...eu e meu pai já estamos desenvolvendo uma técnica para que "tudo pareça um acidente." hhahahaha Brincadeira!
Bjo, Karime