domingo, 18 de julho de 2010

O Centro Do Universo



Não lembrava o nome de sua primeira namorada. Só recordava que a conheceu no jardim de infância da Tia Mariangela, passeando com ela de mãos dadas ao redor do cercadinho de areia. Não sabia o que estava fazendo. Nem que brinquedo estava brincando. E só muito mais tarde foi entender com exatidão o que seus pais queriam dizer com não brincar com fogo.
A segunda namorada surgiu pouco tempo depois. Era a secretária de seu pai. Uma mulher de corpo esguio e traços harmoniosos nos desenhos que fazia emergir por seus longos dedos de rubras unhas bem cuidadas. Também não lembrava do nome, mas através dela começou a compor seus primeiros registros mentais do protótipo da feminilidade. Passava assim a montar inconscientemente os traços essenciais da mulher idealizada.
Suas referências só se confundiram quando seu progenitor contratou uma balconista de nome Wilma (deste lembrava bem por ser homônima de uma tia sua). No tempo em que não estava na escola, divertia-se olhando por baixo de sua saia por horas, enquanto Wilma atendia em pé aos clientes que chegavam até o balcão.
Cresceu empenhando-se em ser bom aluno, mas sentindo-se ainda analfabeto no entendimento das mulheres. Teve sua primeira namorada “de verdade” quando era pré-adolescente. Sandra tirara segundo lugar no concurso do casal mais bonito da cidade (e não foi culpa sua não ter tirado o primeiro lugar). Primeira namorada = primeiro Valisère, e não foi à toa que o desfecho o fez ter de visitar o médico da família, para se recuperar de uma queda que nem a mais moderna pajelança da medicina moderna poderia tratar.
Mudou de cidade, estudou na capital. Namorou e juntou as escovas com uma mulher 13 anos mais velha. Foi quando descobriu que experiência não significa necessariamente maturidade.
O fim de uma relação quase traumática deu abertura para que conquistasse a garota que era o sonho de todos os colegas de universidade. Uma atriz que estampara seu rosto luminoso em revistas adolescentes e em palcos e cenários de novela. Mas ele, com sua educação interiorana de macho provedor, não se via capaz de aceitar um beijo em cena. E assim baixou o pano.
Outras surgiram depois dela, até que se casou com uma professora de inglês e piano. Não se entenderam nem na letra, nem na melodia.
Passado o divórcio, acostumou-se com a ideia de que contos de fadas ficam apenas restritos ao campo da fantasia, jamais podendo transcender para a realidade. Resolveu acumular amores breves, placebos emocionais para compensar uma ausência imaginada perpétua e insolúvel. Acreditava que dúzias de margaridas poderiam muito bem suplantar a carência de uma orquídea rara.
Para exercitar seus sonhos, passou a escrever. Quem sabe em seus simulacros de realidade pudesse encontrar o alento para a carga de existir sozinho. Também se tornou professor, mesmo sabendo desentender a mais importante de todas as disciplinas. Escreveu então o roteiro de um filme no qual inseriria a mulher que até aquele momento habitara apenas seus indomáveis devaneios. Ela deveria ser tão linda que a fila de pretendentes não teria fim. E sua essência interior seria tão bem lapidada em simplicidade e caráter que faria jus à sua incomensurável beleza. A personagem não tinha um nome exato, transitando entre vários de conotações fonéticas diversas, na busca por se encontrar o mais adequado em sonoridade ou significado. Ao visitar o set de filmagem, constatou que quem a interpretaria tinha um nome simples e breve. Imutável se lido de frente para trás ou de trás para frente, o que era muito coerente, já que ela viraria seu mundo do avesso. Ana não era como a personagem que desenhara em sua mente. Ela a superara. Era inigualável. Passou uma hora ao seu lado, sentado em frente ao notebook e fazendo as últimas alterações de roteiro na conversa com a equipe. Fechou seu equipamento e ficou por algum tempo tentando controlar seus batimentos cardíacos, esperando uma oportunidade para conversar com a moça cujos cabelos compridos laçaram seus desejos. Mas então veio a saber que ela já era comprometida. Ele foi embora em seu carro observando-a caminhar pela calçada, com graciosidade hipnótica. Desfilando elegante no cinza da paisagem urbana e no breu de suas esperanças.
Ele então a viu casar. Ou melhor, a viu casar na história que criara. A estrela do filme se tornara sua personagem favorita e inviável. Sua musa estava no alto do pedestal e distante de seu toque, oferecendo os fios negros de suas madeixas ao toque de um outro que ele não conhecia, mas que invejava com toda a intensidade inerente a um homem que sofre de amor à primeira vista.
Mas como não era ele quem escrevia o roteiro da vida real, teve a surpresa de ver Ana em sua sala de aula. A musa virara aluna. E a aluna virara amiga e confidente. De namorada se tornou ex. E, no mesmo dia, um beijo entre os dois dava início ao mais delicioso e intenso colapso existencial que um homem pode ambicionar.
Em apenas 48 horas, já era como se fossem conhecidos de anos. Talvez porque quando se espera uma pessoa por tanto tempo, esse alguém se torna familiar quando o encontramos. Viveram dias intensos e noites sem se refazer. Ligavam um para o outro com intervalos de tempo cada vez menores, sem se dar conta de que já estavam ligados pelo cordão umbilical de seus sonhos. Lembrou que, há menos de uma semana, ele era apenas a 1.245.972º pessoa mais feliz do mundo. Descobriu o verdadeiro centro do universo. De uma hora para outra superou Copérnico e Galileu simultaneamente. Os livros didáticos foram subjugados pela ficção, e as fábulas sucumbiram ao fantástico da realidade.
E ele, que adorava finais felizes, se viu pela primeira vez escrevendo uma história que acabava com um início feliz. Tão feliz que já nasceu eterno.




Mario Lopes

5 comentários:

Ana C. disse...

Clap, clap, clap.

E se não fosse pelas muitas dúzias de margaridas as orquídeas sequer seriam raras, creio eu.

Tudo muito bonito =)

Anônimo disse...

Esse cara é você?;)


Bia

Anônimo disse...

Obrigado, Ana. E você tem razão. Mas mesmo assim não dá pra trocar. :-)
Beijo.

Mario

Anônimo disse...

Bia, a resposta é "siiiiiiiiim". ;)
Beijo.

Mario

Unknown disse...

Lindo...