domingo, 15 de março de 2009

Trair e coçar, é só digitar




Era uma vez uma princesa, cujo senhor foi para a guerra e a deixou presa no alto do castelo, trancada a chave, com cinto de castidade e cercada por um fosso com crocodilos. Fim.

Foi-se o tempo em que a garantia de fidelidade era feita a ferro e fogo. Uma matéria publicada na mais recente edição da revista Superinteressante (número 263) dá conta, com respaldo mundial, de que entramos na “Era dos Cornos”. Nunca foi tão fácil nem tão tentador pular a cerca. Tudo à disposição, sempre à mão, bastando um toque, seja na fila do ônibus ou no conforto do seu lar. E a tecnologia é a grande responsável por este surto de traição. As cirurgias plásticas e a moda fazem surgir tentações cada vez mais irresistíveis nas ruas e baladas, e os mecanismos de contato virtual dão a possibilidade de diversas modalidades de sexo e inter-relacionamento a todo e qualquer momento. E sem deixar rastros.

O comportamento também mudou muito, com ambos os sexos encontrando uma facilidade enorme de beijar na boca e ir além. Uma matéria do Fantástico exibiu um rapaz que beijou mais de 15 garotas em uma micareta (a propósito, não se tratava de nenhum Rodrigo Santoro, diga-se de passagem), e ele está longe de ser um caso raro ou de exceção, há farto contingente similar nas baladas da vida. Essa facilidade de abordagem tem a ver com um fenômeno contraditório: as pessoas têm se cuidado cada vez mais, e isso deveria fazer com que se valorizassem na mesma proporção, correto? Errado. A impressão que se tem é a de que parece não compensar reservar tanto investimento na própria aparência para brindar uma única pessoa. Daí o motivo de haver tanta gente tão “dada” por toda parte.

Com esta facilidade no chega-junto, deixou de ser necessário adotar técnicas de sedução ou galanteios, pelo contrário, ficou simples até demais. Três comunidades no Orkut, cada qual com dezenas de milhares de integrantes, com títulos nas variantes de “Cala a boca e beija logo”, são prova de que as pessoas querem menos papo e mais ação. É tudo imediato: você quer, você tem. Se antes enviava-se cartas românticas que duravam dias para chegar ao destino e outros tantos para voltar com uma mensagem de “talvez”, hoje um scrap sacana é lido e respondido com furor instantaneamente. Quase na mesma velocidade com que se conhece e se beija alguém na noite. Na verdade, convenhamos, é preciso ser uma pessoa muito repulsiva ou muito sem talento para não se dar bem numa balada da vida. Há muito que deixou de ser mérito conquistar alguém. Excetuando o caso de um alguém verdadeiramente especial, que daí, tenha certeza, não cairá tão fácil na rede.

Inspirado na matéria da Superinteressante e em outra sobre técnicas de traição, divulgada há alguns anos pela Revista Sexy (um artigo em tom categórico: “se você pensou em trair, já traiu”, afirmava), aqui vai um guia para quem quer trair fácil e sem riscos adotando os recursos da modernidade. O universo de possibilidades é muito vasto e a cada dia surgem novas alternativas, portanto, foram selecionadas aqui dicas no mesmo número dos pecados capitais, ou seja, apenas sete:

Comunidades virtuais
Orkut? Que pena, você está por fora. Na verdade, o Orkut pode muito bem fazer o papel de uma máscara moral para você se dar bem em outros endereços mais apropriados para safadezas. Faça uma página bem comportada, adicione comunidades que não comprometam e aceite apenas amigos e amigas do bem. Daí, seu namorado ou namorada, esposo ou esposa, só verá mensagens inocentes, fotos decentes e nada que comprometa. Em compensação, você cria outras páginas (com nome falso, claro) em sites como o http://www.be2.com.br/, http://www.parperfeito.com.br/, http://www.match.com/, http://www.hi5.com.br/, http://www.sonico.com/, entre outros. Neles é que você faz a festa, sem levantar a mínima suspeita. Apesar de não se enquadrarem no conceito de comunidade, os blogs também têm a função de aglutinar frequentadores e podem ser uma boa pedida para formar uma teia de contatos, em especial no caso daqueles dedicados a contos eróticos e conteúdo pornográfico.

MSN
Mecanismo simples, prático, ágil e sempre à mão para sexo virtual ou mesmo para promover encontros reais e fazer contato com gente de todas as partes. Dá até para acioná-lo pelo celular. Além de conversas picantes por escrito, você pode se divertir com sua webcam e com o microfone. Ah, claro, não seja bocó, limpe seu histórico ou desative a opção de gravar diálogos para não deixar as conversas gravadas no PC. Outra dica interessante é abrir duas contas de MSN, uma você usa para contatos profissionais e conversas com gente bem comportada, e outra (com login e senha insuspeitos) você usa para apavorar. Dê seu login e senha do MSN do bem para a pessoa amada, ela achará o máximo da transparência e confiabilidade. Aliás, você pode fazer o mesmo com sua senha do Orkut e até de e-mail (como verá no próximo tópico). Em tempo: o Skype também é uma boa pedida, bem como outros programas de conversação on line menos conhecidos.

E-mail
Vale a mesma dica do MSN, tenha duas contas, uma para baixar e-mails sérios no seu HD (pelo Outlook) e outra, com acesso só na web, para os contatos mais escusos, incluindo aqueles das comunidades virtuais mencionadas anteriormente. Dá para combinar programas e viagens, e até trocar mensagens excitantes, sem deixar qualquer pista. Lembre-se sempre de não aceitar a opção de deixar gravados o login e a senha no seu computador, o mesmo valendo para o MSN e para comunidades virtuais.

Celular
Torpedinhos apimentados são diversão garantida. Mas apague sempre as mensagens que vierem para seu aparelho tão logo elas cheguem. O ideal é ter mais de um celular (os motivos são os mesmos apontados para o uso de e-mail e MSN), mas, se isso não for possível, tome cuidado para o aparelho nunca ficar distante de suas mãos e próximo da sua cara-metade numa hora em que você não puder atendê-lo. Você também pode mandar e receber fotos excitantes suas e do seu caso, mas aí tome as devidas providências para que as imagens sejam deletadas imediatamente, ou armazenadas no PC ou na web em um arquivo ultrasigiloso.

Telefone
Este é vovô do sexo à distância, mas ainda faz muito sucesso. Excetuando nos casos de aparelhos munidos de bina, você pode promover bons momentos de sexo verbal via-Embratel. Claro, sempre distante da pessoa amada e cuidando para as ligações não formarem um montante chamativo na conta telefônica.

Chats
Há uma enormidade de salas de bate-papo dedicadas a sexo. Só no UOL você tem centenas delas, podendo escolher se quer com ou sem imagens eróticas. E mesmo os chats destinados a “cidades” ou outros focos de interesse acabam funcionando com o propósito de relacionamento afetivo ou sexual, o que catapulta o número de salas interessantes para a casa dos milhares, sempre com quorum extremamente expressivo a qualquer hora do dia ou da noite. Depois de sair do chat, logicamente você deverá eliminá-lo da barra de endereços para que não apareça na lista de favoritos, OK?

Sites de relacionamento
A matéria da Superinteressante fala do Ashley Madison, criado no Canadá e que em breve chegará ao Brasil: ele arrebanhou 3,5 milhões de pessoas que se paqueram, aderindo ao assumido propósito do site de ajudar gente comprometida a pular a cerca. Em nosso país temos o Só Casados, mas ainda é bastante modesto (embora possa ter dado um salto de acessos devido à matéria da revista). Na verdade, existem vários sites de trocas de casais, mas que não se divulgam explicitamente. E a diferença principal é que agora estão surgindo endereços especializados em facilitar a vida de quem quer “variar” sem o consentimento e a participação da pessoa amada (modalidade bem diferente do swing). Tudo com total privacidade e MILHÕES de pessoas ávidas por ter um caso extra-conjugal. Ou seja, gente que vai querer manter tanto segredo quanto você. Tentador, hein. Vale o conselho para se apagar o site da barra de endereços, combinado?

Acredite: você pode adotar todos estes meios simultaneamente que, se executar as providências recomendadas, não terá seu caso descoberto, a menos que haja a contratação de um bom detetive virtual. Mas se você tiver um firewall poderoso e for o único usuário do micro, sua cara-metade jamais descobrirá ou terá a mínima desconfiança, a não ser que você dê muita bandeira.

Além das opções supracitadas, anuncia-se o surgimento de diversas outras para breve, como a TV interativa, que permitirá a você assistir a um filme pornô enquanto conversa com outros telespectadores sobre as posições e apetrechos, podendo até mesmo usar uma câmera para mostrar o quanto está se divertindo. Enfim, o avanço e as facilitadas se multiplicam tanto que já estamos beirando a telepatia. Pensou em trair? As opções são inúmeras, seguras e imediatas. Na verdade, a tecnologia está chegando à essência da traição: o pensamento. A priori, se você se imagina transando com outro alguém, já está traindo (principalmente se o pensamento culmina com masturbação). A informática veio apenas a dar um pouco mais de tangibilidade, interatividade e parceria às brincadeiras que eventualmente surjam nos becos escuros da sua mente. E que, oportunamente, possam pular para o campo da realidade.

Mas daí, você deve estar se perguntando: se o tema da semana no blog é “sai de retro”, por que então um texto que dá orientações de como tirar proveito das tentações? Na verdade, a dica não é “sai de retro” para as tentações, mas sim para a pessoa traíra que você pode ter ao seu lado. Porém, como identificar se sua cara-metade está pulando a cerca? Bom, aí já começa o primeiro erro: a idéia não é investigar se a pessoa ESTÁ traindo, mas sim se ela TEM POTENCIAL para trair. Mesmo porque no início do relacionamento tudo são flores, a real tendência para se pular cerca ocorre quando surgem as crises, e elas são inevitáveis. Lembre-se que você vai envelhecer, não estará sempre bem de grana, ficará doente e haverá sempre carne fresca e lábia boa ao redor para atentar parceiros e parceiras de frágil resistência moral. E isso significa que a traição pode cair sobre você nas piores horas, o que é ainda mais doloroso.

A primeira providência que vem à mente na prevenção ou contenção de traições é a de criar algum sistema de bloqueio e rastreamento. Mais um equívoco. Se você é do tipo controlador e acha que encontrará meios (científicos ou não) de chegar à verdade ou de represar as vias para um comportamento infiel, esqueça, se deu mal: com os atuais recursos da modernidade, nem mesmo a incrível máquina de espionagem pessoal do delegado Protógenes Queiroz é capaz de garantir que uma pessoa está ou não traindo seu cônjuge. Tem gente que, por conta da impossibilidade de inspecionar os possíveis dutos de traição, acaba tomando medidas radicais: todos nós conhecemos alguém que cometeu “orkuticídio”, ou seja, se deletou da rede de relacionamentos (simultaneamente à sua cara-metade) para que assim se eliminasse um canal de assédio, mas isso é absolutamente ineficaz, conforme mostrado anteriormente, já que existe uma enormidade de outras fontes de contato na web. Como é possível então minimizar as possibilidades de você ser contemplado(a) com uma frondosa galhada? Embora a traição digital seja um problema virtual, sua gênese ocorre em campo real. É preciso, antes de mais nada, ter confiança na pessoa que está com você. E essa confiança não pode ocorrer de forma intuitiva. Todo mundo acha que sua cara-metade é fiel, sendo este um dos principais motivos de a vítima ser sempre a última a saber. Portanto, mantenha atenção a estes sete indicativos sérios de cuidado que podem emanar da pessoa amada:

1) Volátil na credibilidade
Pessoas que mudam de opinião rotineiramente, não sustentam o que dizem e contam pequenas mentiras são dignas de atenção redobrada. Há um ditado que afirma: “quem não é fiel no pouco, nem no muito”. Transformando a afirmativa em indagação, você acha que uma pessoa que conta com convicção uma inocente mentirinha não tentará ser convincente ao máximo quando surgir a necessidade de manter uma mentira grande? Ou a pessoa é confiável o tempo todo, ou não é confiável. Ou você já viu uma empresa contratar alguém que é confiável em metade do expediente?

2) Instável no humor
Gente que tem, mesmo que em pequenas doses, uma carga de transtorno bipolar, parecendo ser imprevisível e intercalando carinho e agressividade, carrega consigo uma ameaça clara à mácula da relação. Instabilidade significa desequilíbrio, e pessoas desequilibradas, que não sabem discutir, que explodem numa conversa e que tomam atitudes impulsivas, dão indicativo seguro de que, em caso de piti (grande ou pequeno, com ou sem motivo) podem muito bem querer ir à forra do jeito sujo. E este é um golpe para o qual não há redenção.

3) Hedonista
Quem só quer prazeres, está o tempo todo procurando novos estímulos, não suporta ficar desconfortável, se aborrece com o calor e maldiz o frio, e adota mais o hábito de receber do que de dar, hmmmm, exige um olhar bem atento. Não existe relação só de satisfação e êxtase. Uma hora um lado vai brochar e o outro vai ter um acesso de frigidez. E aí, o que uma pessoa que só quer saber de sensações agradáveis fará diante de uma crise de abstinência?

4) Carente de novidades
Aquele tipo de pessoa que vive se informando para saber qual a última onda, qual a mais recente tecnologia, qual o carro do momento, qual a balada imperdível, qual a atriz ou o ator sensação, ou que quer volta e meia se desfazer de algo semi-novo só porque surgiu um lançamento nas cores da moda, é a criatura mais propensa a trocar você por outra quando perceber que um upgrade está lhe dando mole.

5) Impotente diante de tentações
Fala sério: você acha que alguém que começa dieta na segunda e já na terça sucumbe a uma fatia de pudim será capaz de resistir a um pedaço de mau caminho que cruze sua frente? Caráter exige força de vontade, força de vontade exige exercício diário. E precisa ser comprovado.

6) Infiel em outros campos
Embora estejamos falando de traição no sentido sexual, é importante lembrar que ela vai além: trai quem não é fiel a compromissos, omite informações importantes, desrespeita você ou alguém que você ama. Então, tome atenção a estas outras traições, pois quem as pratica no campo social, certamente o fará no sexual.

7) Acessível e tolerante
Gente que usa roupas insinuantes ou generosas em mostrar “algo a mais”, e que acredita que não tem nada de mais em se fazer gracejos com colegas de trabalho ou dar liberdade e certa intimidade a pessoas do convívio social, bem, ou é excessivamente inocente (algo raríssimo na Era dos Cornos) ou vive pisando na fronteira entre o comportamento diplomático e o atrevido. E deste atrevido para a provocação e a sacanagem, acredite, é só questão de tempo ou de oportunidade.

Logicamente que não foram contemplados aqui os indícios óbvios, como a pessoa se gabar da forma como enganou outra ou carecer de empatia, que é a capacidade de sentir a sua dor ou incômodo em situações desagradáveis proporcionadas por ela própria a você. Há também aspectos suspeitos que ficam numa linha de fronteira, por exemplo: pessoas que não conseguem sedimentar relacionamentos de longo prazo, sejam eles afetivos ou mesmo profissionais, podem tanto indicar um gênio volúvel quanto inquietação, ansiedade e outros distúrbios que não tem relação direta com infidelidade.

Se o comportamento da pessoa amada corresponde a um ou mais dos itens supracitados, o melhor, antes de qualquer atitude, é confirmar as suspeitas. No meio virtual, suas chances de flagrante são bastante exíguas. Mas você pode adotar procedimentos um pouco mais investigativos no campo real. Algo que ajuda muito é estudar programação neurolinguística, pois, acredite, o corpo fala muito e saber ler as reações da outra pessoa em uma conversa franca é bastante elucidativo. Outra dica é adquirir o livro “Psicologia da Mentira – Nunca mais seja enganado”, escrito pelo Ph.D. David J. Lieberman, a obra chega a ser cruel nos seus métodos, mas realmente pode fazer uma pessoa falar mais do que prisioneiro torturado em Guantamano.

O ônus mais infeliz da era da traição digital é que você nunca poderá ter provas irrefutáveis de que não está sendo traído, assim como também não poderá dar provas irrefutáveis. Mas é o comportamento de ambos que irá revelar desvios de conduta. Se há alguma dúvida, é preciso manter a atenção, tanto para não cometer uma injustiça quanto para não se tornar a pior das vítimas: aquela que recebeu os sinais mas não lhes deu o devido valor (o famoso “pior cego”). Ao perceber algo de errado, não gere alarde em um primeiro momento, tanto para não criar uma crise infundada quanto para não fazer a pessoa tomar as devidas providências para camuflar indícios ou tentar dissuadir você de suas suspeitas. Seja paciente. Basta ficar atento que as provas surgirão. E o seu silêncio encorajará novos comportamentos reveladores. "Se quer conhecer uma pessoa, dê a ela poder", já dizia Maquiavel, e nada dá mais poder a um traidor do que a certeza da ingenuidade do ser traído.

Claro que também é necessário se policiar. Quem diz que nunca irá trair, das duas uma: ou tem muito caráter e força de vontade ou não sabe o que é estar em um relacionamento de longo tempo. A rotina chega, os programas vão se tornando tediosos, as brigas acontecem, as crises se somam, as frustrações idem, o cansaço e a apatia armam acampamento. Aí é que se fica mais vulnerável, surgindo aquela saudadezinha dos tempos de liberdade irrestrita. E sempre haverá um ou mais “alguéns” que irão pleitear o cargo de suplente (nem que seja temporariamente). Portanto, saiba se a pessoa que está com você tem firmeza de propósito, pois só ela pode fazer com que se atravesse as fases difíceis sem manchar a relação. E, lógico, por mais íntegra que seja a sua personalidade, você também não vai facilitar, saindo a sós na noite e se expondo a provações só porque é alguém resistente a seduções. Uma que a pessoa amada não vai ficar nada confortável com a situação, e outra que você também pode acabar se deixando levar pelo ambiente de vale-tudo. Além do mais, ser fiel não é sinônimo de ser impotente ou frígida. É mais ou menos como um ex-fumante frequentando uma tabacaria: ele pode não acender o primeiro cigarro, mas estará se embriagando com a fumaça. Uma hora pode ter uma recaída.

A epidemia de traição tem um agravante: como “todo mundo faz” ela está quase atingindo o mesmo estigma da virgindade para adolescentes: “o que? Você nunca fez?!”. De orgulho, a fidelidade passa a se tornar motivo de chacota e embaraços. Já há alguns anos, enquanto Keith Richards e Mick Jagger comiam todas, o elemento esquisitão dos Stones passava a ser o baterista Charlie Watts, que só fazia amor com sua esposa. Em um universo em que 67% dos homens e 46% das mulheres já pularam a cerca (isso no Brasil), o elemento fiel está cada vez mais se tornando exceção à regra, alguém que em breve poderá ser encarado como mau de cama, frio ou portador de algum tipo de distúrbio que o impede de se comportar como uma “pessoa normal”, ou seja, como alguém adepto da poligamia. Trair virou tão banal que é motivo de piada, sendo inúmeras as anedotas de chifres contadas em mesas de bar, sempre desconsiderando a dor inerente ao tema. Pior, em uma enormidade de casos, o traidor conta de seus feitos com orgulho, como uma façanha, relatando com detalhes suas aventuras e a forma como ludibriou a pessoa amada. Faz de seus casos um troféu, uma prova de virilidade ou de sex appeal, contando até com o aplausos e a conivência de amigos. Estranhamente ninguém se indaga sobre o ingrediente da covardia nestes casos, de se apunhalar pelas costas e (sendo amigo do traído) de se estar correndo também o risco de ser passado para trás.

Há ainda uma outra prática muito comum: a pessoa não trai, mas dá bola e fica acumulando prospects, possíveis affairs, dando-lhes esperança e formando uma lista de futuros casos para cobrirem um eventual rompimento no relacionamento, ou ainda funcionarem como elementos de revanche a uma ocasional traição de sua cara-metade. Isso é traição? Claro que é. É o mesmo que dois vizinhos brigões fazerem um acordo de paz, mas um deles ficar acumulando munição nos porões de sua casa.


Faça o que eu mando, não faça o que eu faço

O dado mais chamativo de uma pesquisa do Instituto Datafolha, a respeito de comportamento conjugal, é o que mostra uma relação de neurose da população quanto à traição. Embora a prática de adultério esteja virando hábito corriqueiro, a fidelidade foi apontada pelos brasileiros como principal item para um casamento feliz. Note bem: superou condicionantes consideras fundamentais por muitos como beleza, inteligência, dinheiro e até mesmo amor - faz sentido, afinal que pessoa quer alguém que a ame mas seja infiel? Aliás, para começo de conversa, quem ama não trai. Se formos cruzar este apreço coletivo pela fidelidade com as estatísticas de crescimento irrefreável da traição, poderemos chegar à conclusão de que as pessoas querem um cônjuge fiel, mas não querem pagar com reciprocidade.

Além da relação de desejo e repulsa com a fidelidade, há dois grandes equívocos ao se encarar seu conceito. Muita gente se orgulha de ser fiel (principalmente diante do surto de pulação de cerca), o que é uma grande tolice. Fidelidade, assim como honestidade, não é virtude, é obrigação. E é aí que entra o segundo equívoco, que traz consigo algo de paradoxal: fidelidade não pode ser encarada como obrigação, mas sim como desejo. Senão vira realmente um martírio, um peso, uma corda esticada e pronta a arrebentar. A tentação não é uma provação, mas sim um indício de que algo pode estar errado no relacionamento. Quando se ama, a vontade é a de querer preservar a relação e fazê-la perdurar, e a condicionante básica para isso é um acordo implícito e subentendido de fidelidade. Traição gera crises, desconfiança, doenças, dor e até tragédias. Quem trai no ambiente mais sagrado do relacionamento (na cama), trai em todos os outros. Todos conhecemos (ou vivenciamos) histórias de verdadeiro horror geradas por amores que seguiram por vias tortuosas devido a traições. Como alguém pode então colocar em risco um sentimento, uma pessoa e uma relação que devem ser tratados como algo precioso? Sem falar que os sentimentos de humilhação, de orgulho ferido e suas derivantes atingem também familiares e amigos, numa venenosa reação em cadeia. Porém, com a infidelidade digital um novo dilema lateja no inconsciente das pessoas diariamente: “e se houver a possibilidade de trair sem ninguém nunca saber?” O problema, neste caso, é ainda maior: VOCÊ saberá. E não existe Big Brother mais implacável do que a própria consciência. Em algum momento, você irá para o paredão.

Há um lado bom na democratização e banalização dos casos extra-conjugais? Há sim. Aliás, um lado ótimo. Antes, muitas vezes se era fiel por pura falta de possibilidade ou de oportunidade. Era preciso chegar um caixeiro viajante sedutor para quebrar aquela harmonia de anos, que resistia devido ao isolamento e não ao amor. Uma pessoa poderia passar a vida toda com outra sem saber se de fato ela era fiel. O fato de alguém nunca ter se afogado não significa que saiba nadar. Hoje, só é fiel quem realmente quer. Se você está com alguém que não esmorece diante de tantos canais que põe seu caráter à prova, então sabe que tem ao seu lado uma pessoa fiel em todos os campos, em todas as circunstâncias e em todos os momentos.


Mas afinal... vale a pena?

Bom, depois dessa apologia à monogamia, vale indagar: com tanta gente disponível e bem cuidada ao seu dispor, com tantos canais para contato e prazer, com tanta facilidade, agilidade e conforto em se conseguir aventuras e erotismo, qual a vantagem de se ficar com uma única pessoa? Bom, daí é preciso refletir bem. Cada um terá seus motivos particulares. O importante é que eles sejam suficientemente convincentes para compensar aquelas brincadeiras da turma de solteiros e solteiras convictos, que passarão o resto da vida buzinando no seu ouvido: “você não sabe o que está perdendo”. A principal vantagem certamente é algo que nenhuma relação fugaz pode oferecer: uma vida construída a dois. Todas as outras relações superficiais durarão uma noite ou, no máximo, uma amizade colorida de alguns anos, com direito a baladinhas e sessões remember que estarão longe de dar a mesma satisfação de uma relação estável. Outro fator importante é uma afinidade sexual rara, do tipo que faz você ver estrelas quando é sacanagem e sentir amor verdadeiro para saber que não é SÓ sacanagem. E, claro, a pessoa ao seu lado tem de estar ciente de que, por mais fiel que você seja, o mundo está pululando de tentações em toda parte, o que exige com que cada um se cuide, estando sempre com a melhor aparência possível para agradar o outro, mantendo também um padrão estável: se a pessoa começou a relação cordial e carinhosa, deverá sê-lo por toda a vida, senão isso também é traição. Se você fazia strip teases para ele no começo da relação, terá de fazê-lo até virar velhinha; se você a levava para o teatro todas as semanas, deverá levar adiante este hábito cultural ad eternum. Senão, você não fez uma conquista, você deu um golpe. Apenas se empenhou para impressionar usando um comportamento falso, cometeu estelionato sentimental. Ao cair a máscara, ficará difícil sustentar a relação, e daí oportunistas de plantão farão a festa. Já dizem que a oportunidade é que faz o ladrão, pois então é bom lembrar que também é ela que joga querosene na brasa da infidelidade. Se a chama vai arder ou não, dependerá de o quanto a pessoa deixará soprar...

Um recado bastante salutar: para julgar a índole de uma pessoa, não vá por aquilo que ela fala de si. Testemunhas são tidas pelo poder judiciário como as provas mais suspeitas em um tribunal, o que dizer então de alguém que é testemunha de si mesma? Claro que a pessoa só falará coisas boas de seu passado e de suas atitudes. Portanto, fique alerta ao comportamento. E aos pequenos detalhes. A pessoa poderá até mesmo disfarçar bem por um certo período, mas, como diz uma velha máxima: ninguém consegue enganar todo mundo o tempo todo. Quanto mais num convívio de intimidade. Uma regra interessante a ser adotada é a de multiplicar por três a potência de cada comportamento suspeito adotado diante de você: ao seu lado, a pessoa será mais cuidadosa para não pisar na bola, portanto, para toda gafe que você testemunhe, triplique o que seria a mesma gafe se a pessoa estivesse distante da sua presença. Se ela usa uma saia curtíssima ao seu lado, reduza pelo menos três dedos para a saia que ela usaria longe de você; se ele flerta com alguém no trânsito pensando que você não está vendo, considere que certamente faria contato verbal caso você estivesse longe. Enfim, se na sua frente a atitude suscita suspeitas, cuide-se porque longe de você as coisas podem ser bem piores. E se ela afirmar que não mais incorrerá neste tipo de atitude, será difícil de acreditar. Saiba identificar o que incomoda, pois não é a saia curtíssima e sim o que ela indica: o objeto pode até ser eliminado do guarda-roupa mas o indício de vulgaridade e de exagero na tentativa de parecer sedutora é que preocupa, afinal, por que alguém vai querer exibir de forma farta e em público algo que você já costuma ver nos momentos de privacidade? Você realmente acha que o “show” é para você? Em tempo: se ela disser que a saia “nem é tão curta assim”, a preocupação dobra, porque ou está subestimando seu poder de discernimento ou está realmente acostumada a utilizar peças bem mais ousadas. O mesmo vale para o sujeito que flertou pela janela do carro e disse que você está “vendo coisas”, ou, pior, que não tem nada de mais em olhar.


Dá pra acreditar?

O problema é que, em geral, investigamos e identificamos os indícios de potencial para a traição (ou mesmo de traição) para tentar negociar uma mudança de postura. É um método dos mais arriscados, visto que as pessoas dificilmente mudam em seus valores ou em hábitos que já estão enraizados. Não é impossível, mas, na grande maioria das vezes, vale muito mais a pena você encerrar o relacionamento e voltar à estaca zero, buscando alguém que realmente tenha boa índole, do que investir numa relação que sempre terá ares de bomba relógio. Mesmo porque dificilmente você conseguirá acreditar piamente no cumprimento das mudanças prometidas. OK, é doloroso jogar tudo para o alto, mas, acredite, se você estiver em uma relação instável na confiabilidade, uma hora ou outra haverá um rompimento, e se não houver, tanto pior, pois a chance de uma vida a dois frustrante e repleta de decepções é grande. Outro cuidado: procure ver a verdade. Quando se está apaixonado isso é bem mais difícil, porque você vai querer acreditar que está surtando, que aquela pessoa que você gosta tanto jamais seria capaz de tal canalhice. Se você tiver dúvidas e achar que suas percepções estão deturpadas, consulte uma pessoa amiga, pode ajudar. Se for uma amizade real, ela lhe dirá o que você precisa ouvir e não o que quer ouvir. Só cuide para o seu relato ser o mais fiel possível à realidade.

Mas vale a pena tomar atitudes com base em indícios? Eles nunca serão uma garantia, mas é como a meteorologia, ela se baseia em possibilidades, em pistas. Às vezes erra, mas geralmente as nuvens negras que se aproximam do mapa revertem sim em tormenta.

Claro que estamos falando de julgamentos feitos com base em percepções de uma pessoa equilibrada e coerente. Se você é do tipo que tem no histórico episódios de rompantes histéricos de ciúmes por motivos banais, então fique alerta, pois pode realmente estar vendo chifres em cabeça de cavalo.

Mas e se você errar nas suas avaliações, considerar a pessoa ao seu lado confiável e mesmo assim ela acabar sendo desleal ao longo do tempo? Bom, pelo menos valerá o prêmio consolação de que você sairá dessa com a consciência tranquila. Mas é lógico que não é isso que você quer, você procura por uma relação em que dê e receba respeito. Que, aliás, convenhamos, é o mínimo.

E um último toque: há pessoas inseguras que gostam de provocar ciúmes para se certificarem de que realmente são desejadas pelo(a) parceiro(a) ou pelo “mercado”. A tendência é ir para a revanche, ou seja, também tentar provocar ciúmes de algum modo para gerar no cônjuge a mesma sensação de dor e desconfiança. Isso vai desembocar num ciclo vicioso no qual cada um descobrirá o que mais provoca o outro só para espezinhar: a blusinha semi-transparente, a happy hour com os amigos mulherengos, a viagem a trabalho que mais tem cara de turismo de solteiros, e por aí vai. Em pouco tempo, os dois só faltarão ir para a cama com alguém a fim de causar dor de cotovelo no outro. A propósito, tem um filme com o Sean Connery e a Monica Vicci, chamado "Pato Com Laranja", no qual acontece justamente isso. Portanto, uma dose da maturidade cai muito bem nesta hora.

Se formos resumir, o que você precisa para ter certeza de que não será vítima de traição é encontrar uma pessoa dotada de uma única palavra-chave em sua lista de predicados: caráter. Tenha certeza, esta é a sua única garantia. Porque, para ser fiel a você, antes de tudo um pessoa tem de ser fiel a seus princípios. Isso é bom ou mau? Depende. Se você tem alguém munido com esta característica, tem ao seu lado uma pessoa com uma blindagem moral muito mais inviolável do que qualquer cinto de castidade. Já se tem alguém de caráter duvidoso, nem mesmo um implante na epiderme de GPS com detector de mentiras e câmera 24 horas dará sossego a você.

Ah, por falar em cinto de castidade, lembra da princesa do início do texto? Ela não era fiel. Fidelidade não é uma questão de imposição, mas sim de escolha.


Mario Lopes

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa Mario...arrazou!!!

Eu tenho sérios problemas com certa pessoinha, que diz que amor e fidelidade são coisas distintas...

Acho que agora eu tenho grande argumento...terá que ler isso...

Beijos...adorei
Maria

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Obrigado, Maria. E sobre a tal pessoinha, se mesmo depois de ler continuar resistente em sua opinião, peça a ela para contra-argumentar aqui. Realmente sou bem curioso em saber como uma pessoa pode pensar em amor sem respeito estgar incluso no pacote.
Beijo.

Mario

Unknown disse...

Guto,

Depois de ler este texto, não posso deixar de aplaudir de pé...

PARABÉNS!
Na minha humilde opinião, o melhor texto de todos os tempos no blog (e olha que a competição é acirrada, pois todos são excelentes!

Para encerrar, eu gostaria de fazer uma pergunta: Você acha que é possível acontecer uma mudança no caráter de uma pessoa?

Afinal, todas as pessoas tem o direito de se arrepender, de mudar seus conceitos, personalidade, atitudes; enfim, de mudar de vida...

Beijos,
Mila.

Anônimo disse...

Puxa, Cá, muitíssimo obrigado pelas palavras, confesso que fiquei até embaraçado. Sobra as possibilidades de mudança de caráter, eu considero possível, mas bem difícil. E quem diz isso não sou eu, é a psicanálise. Uma pessoa precisa de alguns anos de divã para conseguir alterar comportamento interiores sedimentados, e isso quando deseja muito a mudança. Como você mesma disse, as pessoas têm todo o direito de se arrepender e querer melhorar, mas são pouquíssimas as que realmente têm dilemas de consciência e desejam mudar de verdade. Siceramente, eu só acredito que isso acontece quando a pessoa tem muita firmeza de propósito ou quando lhe acontece algo de excessivamente traumático. Quanto à firmeza de propósito, veja se ela é uma pessoa determinada no dia-a-dia, das pequenas às grandes ações. Já quanto ao incidente traumático, vou dar um exemplo: um primo meu quase morreu com complicações de saúde diversas e só então resolveu parar de beber e entrar para o AA (nunca mais colocou uma gota de álcool na boca). Se a pessoa não tiver firmeza de propósito terá de sofrer algum trauma para mudar suas atitudes quanto a fidelidade: talvez ela própria ser traída e pegar um HIV, por exemplo. OK, estou sendo um pouco dramático, mas, tirando um eventual excesso, o raciocínio é esse mesmo, ou se muda por ser muito firme em suas convicções, ou porque a vida lhe deu uma imensa rasteira ou alerta. As pessoas mudam pelo amor ou pela dor. Sempre torço pela primeira via.
Beijo, Cá.

Mario

Anônimo disse...

não poderia ter escolhido melhor título,Mario!Perfeito!
gostaria de escrever algo aqui as vezes tbm...
se puder me adicionar no msn pra me dizer como, ficarei mto grata!
renatacanucci@hotmail.com

Anônimo disse...

Obrigado, Renata. Teje adicionada. Escreva porque novas colaboradoras são sempre bem-vindas no blog.
Beijo.

Mario